Lembrei-me hoje, já lá vão tantos anos de um episódio
que ocorreu no Rio de Janeiro, num começo de tarde de um sábado
qualquer, há milhões de anos.
Espreguiçava-me num dos muitos restaurantes da avenida Atlântica.
O sol da praia cansara-me.
Uma caipirinha preparava a feijoada que se seguiria. Porque era sábado!
O olhar foi-me atraído para uma cena costumeira. Uma garotinha
tentava entrar no recinto do restaurante para pedir qualquer coisa.
Pobre, mas forte na sua tenacidade, argumentava com o garçon
que por sua vez, defendendo a privacidade dos fregueses e o bom nome do
restaurante, se opunha a que ela entrasse.
Hesitei, e uma golada maior esgotou a caipirinha e deu inicio a todo
um outro processo de que me lembrei hoje com enorme alegria.
Chamei o garçon e apontando para uma mesa ao meu lado que se
encontrava vaga, disse:
— Por favor convide a senhorinha a almoçar e sirva-a, com todo
o respeito que ela lhe merece, pois apenas pediu. Ela é minha convidada.
Assisti então perplexo, a um espectáculo para o qual
não estava preparado.
A garotinha, cinco ou seis anos talvez, não mais, ao ouvir o
convite feito pelo empregado, sorriu e com a calma e majestade de quem
se sente com direito, dirigiu-se para a mesa, sentou-se e sem me olhar
encomendou uma feijoada.
No final, pediu uma quentinha e sem olhar para mim, agradeceu ao garçon
e partiu.
Pequena grande senhora, o que será feito de ti?
Meu Deus, que naturalidade, que postura, que lição!