Se
é verdade que o primeiro sutiã a menina nunca esquece, a
primeira viagem também não. Menino ainda, fui de Gravatá
a São José da Coroa Grande e registrei na memória
o barulho das ondas do mar como se estivessem invadindo o quarto, ou debaixo
da rede em que tentava dormir.
A primeira vez que fui à Europa, serviram um jantar a bordo à
meia-noite, no momento exato em que o avião cruzava a linha do Equador.
Brindei com uma aeromoça holandesa, lembrando-me como teria sido
bom se aquele povo tivesse mantido a dominação sobre
Pernambuco. Quiçá não teríamos a vergonhosa
seca que domina o Nordeste, obrigando Caruaru a fornecer água encanada
apenas um dia por mês, favorecendo um vergonhoso comércio
de águas suspeitas, fornecidas por caminhões idem.
A primeira vez que um jornal de peso publicou um poema de minha autoria,
com ilustrações de Ladjane, recém-falecida, quase
me senti um poeta de verdade, até o momento em que procurei o editor
para agradecer a gentileza e ele me confessou, com toda a franqueza do
mundo, que o fechamento do caderno de literatura era na sexta-feira e ele
não tivera outra coisa melhor para o espaço. Em compensação,
o poeta Mauro Mota, em outro jornal, publicou outros versos e até
me chamou de prezado colega. Logo, o primeiro elogio a gente nunca
esquece.
A primeira vez que fui à zona, no Crato, a inocente beata de padim
Ciço sabia que estava em pecado, e eu também, mas tínhamos
ambos o confessionário e a penitência, dez Padre Nosso e dez
Ave Maria, com a vantagem de poder voltar a pecar e remir os pecados com
a falsa santidade estampada no rosto ainda imberbe.
A primeira vez que me apaixonei foi a transposição dos sofrimentos
descritos por José de Alencar e Menotti Del Picchia para a vida
real, com cartas e poemas sem fim, lágrimas reprimidas em nome do
machismo e o inevitável escape para o imaginário. Dos sonhos
não escapavam a professorinha e as estrelas de Hollywood.
Até hoje não consegui descrever as emoções
da primeira vez que fui pai. Chico Buarque tentou falar em “pedaço
de mim”, mas acho que isso ainda é pouco.
Tudo o que se vê, ouve e sente pela primeira vez é um deslumbramento.
Entre ansioso e deslumbrado aguardo a virada do milênio, com a perspectiva
de virar avô. Pela primeira vez.