Cultura de estômago vazio fica uma coisa muito
difícil. Quando a pessoa tem os seus bens essenciais atendidos,
a cultura se torna uma conseqüência natural. Isso é
um pouco como falar de democracia. Que democracia é essa que mantém
boa parte do povo brasileiro na miséria, abaixo da linha da pobreza,
com milhões de excluídos. Isso tudo, evidentemente, põe
a cultura numa posição secundária. O brasileiro
luta pelo pão nosso de cada dia. E isto tudo é muito triste.
O lamento é do presidente da Academia Brasileira
de Letras (ABL), o jornalista Arnaldo Niskier, que passou o final
de semana em Natal, onde lançou seu último livro, Educação
à distância: tecnologia da esperança, fazendo
um relato de seus 40 anos dedicados à educação no
País, em especial experiência da educação
à distância.
Com efeito, Niskier é o primeiro presidente
da ABL a aventurar-se em viagens pelo Brasil excluído, inaugurando
uma série de contatos fora da área de trabalho a que
a academia sempre se dedicou, compreendida pelo Sudeste desenvolvido.
Ele chega a Natal saído de um intenso quiproquó, quando a
academia viu-se no centro de uma concorrida polêmica nos cadernos
culturais dos principais jornais do País, depois da rumorosa
candidatura, pela terceira vez, do economista Roberto Campos à
imortalidade acadêmica, ocupando a cadeira do falecido dramaturgo
Dias Gomes, fato que acabou se concretizando, com a posse do novo
imortal tendo ocorrido no último dia 26 de outubro.
Com essa viagem, Arnaldo Niskier dá início
a um périplo, que o levará pelas regiões mais
esquecidas do País, em todos os sentidos, em especial pela ABL,
uma espécie de Câmara dos Lordes da intelectualidade brasileira.
''Eu recebi um conselho de um amigo meu para que
tirasse a academia do seu sentido carioca, que, na verdade, não
corresponde à realidade, mas era a imagem que se tinha'',
confirma Niskier. ''Então, antes de concluir o meu segundo
mandato, estou visitando estados do Nordeste. Eu já estive no Ceará,
já estive na Paraíba, estou aqui no Rio Grande do Norte,
vou semana que vem para Alagoas. E a simbologia dessas viagens é
muito grande: quer dizer que a academia sai do Rio de Janeiro, com
um presidente carioca, e por amor à região nordestina,
que eu tenho, muito grande. Nós estamos fazendo essas visitas,
que são as primeiras que são feitas por um presidente da
academia, com a finalidade de mostrar, que nós queremos e
desejamos muito esse intercâmbio com o Nordeste.''
Para o presidente da ABL, a cultura continua sendo
uma mercadoria de luxo, inacessível ao comum dos mortais, no Brasil,
o chamado povão, apesar de ser dele que provém a maior riqueza,
constituindo-se, inclusive, sem consciência
do seu valor, na fonte maior de alimento para os próprios imortais,
que se dão ao direito de usufruirem da vantagem de saborear a cultura
sem maiores sobressaltos.
''No Brasil, temos o problema do desemprego, que
é muito forte. Tem o problema da própria qualidade da educação.
Os salários dos professores. Ora, um país que tem esses problemas,
que são básicos, como é que ele pode estar
preocupado, enfim, com os problemas mais nobres da cultura? Mas, apesar
disso tudo, a nossa cultura, sobretudo o que eu chamo de cultura popular
é riquíssima. Existe um potencial extraordinário,
que vem de baixo, vem da raiz. De modo que o que nós devemos é
estimular atividades que possam fazer com que o brasileiro tenha condições
de desabrochar o seu natural apreço pela cultura.''
Neste sentido, Niskier comenta a necessidade de
campanhas e estímulos de toda ordem para se levar a cultura à
população, lastimando o vergonhoso quadro que se verifica
com relação aos índices de leituras e da própria
existência física de 3.500 bibliotecas públicas para
um país continental como o Brasil, com uma população
de mais de 160 milhões de pessoas:
''Vemos que nossos universitários não
lêem. Você tem hoje uma indústria da apostila, uma indústria
da cópia. Você vai a uma universidade, o setor mais importante,
mais lucrativo da universidade é o setor da reprografia. Que é
inclusive um crime que se comete contra o direito autoral, a Lei dos Direitos
Autorais. O Brasil tem um índice de leitura per capita de 2,4 livros
por ano. É muito baixo. Nos Estados Unidos são 11 livros,
na França são dez livros. Nós temos que melhorar isso,
criando mais bibliotecas públicas, que só temos 3.500. Um
país com 5.500 municípios não pode ter 3.500 bibliotecas
públicas. Há uma completa inversão de valores nesse
caso. Acho que, elaborando uma política nacional do livro, que nós
não temos, de forma efetiva, isso tudo tende a melhorar.''
Niskier, como professor que dedicou 40 anos à
educação à distância, tem esperança,
contudo, de que a realidade nacional no que respeita ao consumo de
bens culturais possa melhorar, dependendo das mudanças que venham
a
ocorrer no planejamento da economia, que favoreçam em especial
os trabalhadores. Ele comemora hoje, pelo menos, os índices
de leitura de jornais, que têm incrementos cada vez maiores:
''Há 40 anos que, tendo trabalhado em rádio
e televisão, que o tema — educação à
distância — me é familiar. Por outro lado, eu sou um estudioso
dos temas da educação brasileira, e nas muitas viagens internacionais
que tenho feito, esse assunto sempre mereceu uma atenção
prioritária. Estive na Inglaterra várias vezes, visitando
a Universidade Aberta inglesa, que nasceu
em 1971, estive em Portugal, na Espanha, em Israel, e sempre senti
nesses lugares e nesses países, que se dava prioridade à
educação à distância como um elemento auxiliar
precioso para que a educação possa ser levada a mais gente
e com melhor qualidade. Hoje, no Brasil, os jornais hoje estão sendo
mais lidos, assim como as revistas. Era inimaginável supor - eu
trabalhei 38 anos na Manchete, então eu conheço razoavelmente
este mundo — era inimaginável supor, 20 anos atrás, que houvesse
uma revista como a Veja que tivesse 1 milhão e 200 mil exemplares.
O Cruzeiro, da Bloch, tinha 500 mil exemplares. Era um feito notável.
Mas hoje, você tem várias revistas com tiragens incríveis.
A revista Época tem 700 mil exemplares. Então, quando O Cruzeiro
tinha 500 mil, só tinha ele. O resto eram coisas melosas. O que
me impressiona hoje é a quantidade de veículos com as suas
respectivas tiragens. Eu acho que nós estamos vivendo um tempo em
que as revistas estão sendo lidas. Os jornais estão sendo
mais lidos. O ideal seria que houvesse muito mais leitor. Mas, aí,
você agrega o fato de que você tem 15 milhões de analfabetos
— isso pesa — e você tem a perda do poder aquisitivo do povo brasileiro,
de uns tempos para cá. O sujeito conta os tostões, e ele
tem dificuldade de comprar todo dia um jornal. Imagina isso? Não
é exatamente o
que acontece no mundo desenvolvido. E o problema do livro é
uma vergonha nacional.''