Floresta virou coisa de país rico. O século XX foi a era do grande desmatamento no planeta. Mas ele não desmatou o mundo por igual. Concentrou as motosserras nos trópicos. É que os países mais desenvolvidos estavam aprendendo a cuidar melhor do que é deles. E a devastar o alheio.

Por acaso, as duas notícias chegaram juntas no Dia da Árvore. A boa e a outra. Começando pela outra, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva doou aos caiapós 14 mil metros cúbicos de mogno apreendidos pelo Ibama. Os caiapós, segundo o Ministério Público Federal, são tributários do contrabando da madeira na Amazônia. Agora premiados pelo tino comercial.

A boa veio na revista Nipponia, distribuída pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão. Diz que o país, com 66,8% do território coberto por florestas, está mais verde do que nunca. Mais até do que a Finlândia, onde o índice chega a 65,8%, ou a Suécia, que tem 59,3%. No Brasil o índice anda pela casa dos 65,2%, contando com a Amazônia. E com a Amazônia é melhor não contar por muito tempo. Em todo caso, aqui o número só se atualiza para baixo.

Para explicar como isso foi acontecer numa terra com 377 mil quilômetros quadrados, pouco maior que o Mato Grosso do Sul, onde vivem quase 130 milhões de pessoas, ou quase 80% da população total do Brasil, a reportagem gasta páginas de louvor às tradições japonesas. Mas quem sabe explicar mesmo o fenômeno é o historiador John McNeill, autor de um livro que ainda não se aclimatou ao mercado editorial brasileiro, mas que o inglês Eric Hobsbawn considerou o mais original da temporada, quando saiu três anos atrás a edição americana.

Chama-se "Something New Under the Sun"“ ou "algo de novo sob o sol". Contrariando o verso do Eclesiastes, McNeill acha que aconteceu, sim, uma novidade na Criação. Ela data do fim do século XIX quando, combinando explosão demográfica com progresso tecnológico, a humanidade ultrapassou pela primeira vez na História os ventos, as geleiras e os vulcões oceânicos como agente de mudanças geológicas. Hoje, ela altera mais a superfície da terra do que as outras forças somadas.

Por isso que o século XX foi a era do grande desmatamento no planeta. Mas ele não desmatou o mundo por igual. Concentrou as motosserras nos trópicos onde, em trinta anos, a partir de 1960, sumiram do mapa 450 milhões de hectares de matas nativas. Por que? Porque os países mais desenvolvidos estavam aprendendo a cuidar melhor do que é deles. E devastar o alheio.

O Japão, por exemplo, estava inteiramente desflorestado em 1900, quando só restavam em seu território as matas na ilha de Hokkaido, no extremo norte do país. Agora há bosques quase centenários no centro de Tóquio. Como o Santuário Meiji, um parque de 72 hectares colado nos arranha-céus de Shinjuku. Lá, existem 170 mil árvores. No Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 13.148.

Enquanto suas florestas cresciam ou rebrotavam, o Japão virava o maior importador mundial de madeira, o que é uma maneira de dizer que ele passou a exportar desmatamento. Um terço das matas da Indonésia caiu nos últimos 50 anos. E o Brasil, segundo McNeill, é forte candidato a fazer mais esse favor ao chamado primeiro mundo, porque só na Amazônia perdeu 10% da floresta em menos de quatro décadas. Logo agora, quando ter muita mata é medida de desenvolvimento.

Marcos Sá Corrêa

Fonte: AOL - 15:13 - 25/09/2003
Enviado por Ricardo Alfaya

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