ECOLOGICAMENTE CORRETO

Fico sempre sensibilizado quando estou na orla do Recife, curtindo a minha cerveja fabricada industrialmente e estupidamente gelada, e vejo as pessoas na beira-mar apanhando vasilhames e sacolas de plástico jogadas na areia pela população mal-educada ou devolvida pelo mar revolto. Essa atitude singela me emociona pela grandeza do seu gesto.
Enquanto as duas maiores economias do planeta, a China e os Estados Unidos, jogam diariamente na atmosfera e nos mares toneladas de lixo químico, indiferentes ao destino do planeta e preocupadas apenas com a sobrevivência dos seus lucros, admira-me o desprendimento e a inutilidade do gesto dessas pessoas. Geralmente são velhas senhoras preocupadas em preservar o meio ambiente e a vida das tartarugas marinhas, que confundem o plástico com as algas e morrem engasgadas.
Por outro lado, fico irritadíssimo quando nos supermercados me oferecem, a preços módicos, as tais sacolas ecologicamente corretas. Nesses momentos, sinto-me chantageado pelo sistema, que mais uma vez não abre mão dos seus lucros e tenta transferir para o cidadão consumidor o ônus da “preservação” ecológica do planeta. Para mim, essa é mais uma sacanagem para conosco.
Afinal, que responsabilidade podemos ter nós em relação a esses sistema de produção que polui e esgota os recursos naturais do planeta? Pergunto-me sempre e não encontro a resposta. Nós cidadãos comuns, somos tão vítimas quanto a natureza espoliada. A parte de responsabilidade que nos cabe, com certeza, diz respeito ao consumo desenfreado e impensado de tudo o que nos é oferecido pela produção industrial.
Segundo os estudiosos do assunto, o lixo inorgânico é uma invenção moderna. O advento da Revolução Industrial, no século XVIII, e a invenção de máquinas que modernizaram e agilizaram o sistema de produção capitalista, cada vez mais resultou na criação de resíduos e objetos descartáveis e inúteis que podem causar a poluição do solo e das águas do planeta, afetando a todos nós.
A grande contra-revolução possível e capitaneada por nós, consumidores, seria a seletividade do consumo em relação aos bens manufaturados pela produção industrial. Isso, no entanto, é muito difícil, pois implicaria numa atitude crítica do consumidor diante do sistema produtivo e dos produtos manufaturados que nos são oferecidos. Implicaria também em um sentimento de coletividade inexistente. Por mais amor que tenhamos à Mãe Natureza, não somos educados para isso.
Pelo contrário, sempre tentam nos fazer crer que o consumismo é um mal necessário e inerente ao mundo moderno e o que o individualismo e a concorrência entre indivíduos é uma das molas mestras do sucesso.

 

O LIXO DO CAPIBARIBE

Leio no Diário de Pernambuco que a ONG Recapibaribe, em apenas três horas de ação, retirou do rio Capibaribe, no centro do Recife, nada menos do que 1,3 toneladas de lixo. A entidade pretende reciclar o que for possível nesse material recolhido e doá-lo à instituições de caridade.
Se lhe parece muito essa quantidade de lixo recolhido na nossa Veneza Brasileira em apenas três horas, fique sabendo que em Londres dois barcos percorrem o rio Tâmisa recolhendo 30 toneladas de lixo por dia. O rio inglês, aliás, no século XIX, era conhecido como “o grande mau cheiro”. Segundo matéria publicada no site da Globo em 2012, eram comuns naquela época as epidemias de cólera na capital inglesa, e as sessões do Parlamento, que fica na margem do rio, tinham que ser suspensas quando o vento fazia o odor chegar às salas do prédio. Para reverter essa situação, as autoridades inglesas e londrinas construíram várias estações de tratamento de esgoto ao longo dos anos, além de criarem vários outros mecanismos de monitoramento e controle do lixo que chega ao rio. Hoje, revitalizado, o Tâmisa possui mais de 120 espécies de peixes catalogados, além de mais de 400 espécies de invertebrados. Um exemplo a ser seguido, principalmente por nós, recifenses, que vivemos numa cidade construída e mantida por sobre as águas do Rio Capibaribe e de outros rios menores.
Ainda segundo a matéria do Diário de Pernambuco, até o mês passado, a Emlurb retirava a cada dois meses cerca de 20 toneladas de resíduo sólido do rio, providencia hoje suspensa por encerramento do contrato com a firma terceirizada.
No lixo recolhido pelo trabalho voluntário da ONG, foram encontrados, além das garrafas e sacolas plásticas, muitos brinquedos e objetos poucos usuais, como um vibrador elétrico, uma buzina de pipoqueiro, uma cabeça de touro empalhada e um papagaio de hospital. Segundo Maria do Socorro Cantanhede, dirigente da Recapibaribe, em um ano de trabalho voluntário a instituição já recolheu cerca de 600 toneladas de lixo. Chama a atenção, porém, para os esgotos, segundo ela o principal poluidor do rio.
O Rio Capibaribe, que na língua tupi significa “no rio das capivaras”, nasce na Serra do Jacarará, no agreste do Estado de Pernambuco, na divisa dos municípios de Jataúba e Poção. Tem 240 quilômetros de extensão e banha 42 municípios, a maioria dos quais despeja nas suas águas os dejetos dos esgotos. Tem 74 afluentes e os reservatórios da sua bacia têm uma capacidade máxima acima de 1 milhão de metros cúbicos. Atravessa o Recife, banhando vários dos seus bairros, como Várzea, Caxangá, Apipucos, Casa Forte, Torre, Capunga, Madalena, Derby e Ilha do Leite. Antes desaguar no Oceano Atlântico, encontra-se com o Rio Beberibe por trás do palácio do Campo das Princesas, no centro histórico da cidade.
tupi É o rio dos poetas, o cão sem plumas de que nos fala João Cabral de Melo Neto. A sua história se confunde com a história do Recife, como bem o disse o sociólogo Gilberto Freyre, no Guia Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife: “O rio está ligado da maneira mais íntima à história da cidade. O rio, o mar e os mangues. Assassinatos, cheias, revoluções, fugas de escravos, assaltos de bandidos às pontes, fazem da história do Capibaribe a história do Recife”.
Cuidemos, pois, do Capibaribe!

Clóvis Campêlo

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