A Nova Era já era?
Quanto mais vivo, menos me espanto com a minha, a sua, a nossa capacidade de criarmos e destruirmos aquilo que mais necessitamos: a esperança de um mundo melhor.
Andamos como sempre com a cabeça nas brancas nuvens e os pés chafurdando em barro sujo.
A experiência me ensinou que tanto faz sermos pessimistas ou otimistas. Nenhuma atitude mental ou comportamental supera o real, o fato.
E a realidade não é nada promissora, alvissareira, benfazeja.
O mar de rosas sonhado e prometido e acalentado por cérebros e corações ao longo da evolução parece mesmo um tsunami.
Nossa louvada, e justificada, autoclassificação de homo sapiens nos levou ao patamar de homens das cavernas tecnológicos, uma existência virtual, artificial e insustentável.
Traduzindo: me engana que eu gosto, gostamos todos da zona de conforto de imaginarmos saídas para a zona catastrófica que fizemos.
Em alguns selfies arqueológicos, recordemos: tivemos várias eras, épocas, fases da Terra, esse planetinha no qual habitamos e, literalmente e metaforicamente, para o qual cagamos e andamos.
Há quase 5 bilhões de anos, o globo terrestre foi bombardeado por cometas e meteoritos. Há 4 bilhões, o microcosmo sacudiu-se em terremotos formando os continentes. Há 2 bilhões, a Gaia expeliu lavas gigantescas e surgiu o oxigênio e as bactérias. Há 550 milhões de anos, o Planeta Azul brotou as florestas, insetos e répteis, e gelou e descongelou várias vezes. Há 250 milhões, maravilha: grandes répteis, dinossauros e mamíferos. Há 60 milhões, aves e mamíferos mais ou menos como os que conhecemos hoje, os que sobraram, claro. E, finalmente, há 100 mil (uma titica de tempo) só dá o sapiens nos selfies: estamos em primeiro plano, o mundo fenomênico e tudo mais reduzido à paisagem de fundo.
As eras atualmente se contam em décadas, essa é a grande mudança e tragédia da morte anunciada.
Estamos no Antropoceno, o auge da dominação dos bípedes humanos no ambiente.
A Terra é nossa, mano, tá dominada, embora nada tranquila e favorável.
E isso começou a vigorar pra valer logo ali atrás, desde 1950.
Por coincidência, exatamente quando nasci, duplamente abençoado e amaldiçoado.
Foi o Ano Santo decretado pelo Vaticano, e, como troféu, ganhei o direito de estudar para ser padre gratuitamente. Uma bolsa família religiosa que, para desgosto das carolas titias, recusei.
Mas adorei e adotei a maldição da Ciência, tão ou mais pesada que a canga mística, mítica ou esotérica.
Triste admitir, minha história e esforços não interessam para a Terra. Igual a você e qualquer outro macaco evoluído.
Aos crentes, resta rezar. Aos cientificistas, pesquisar.
Em apenas 5 décadas, conseguimos acumular o lixo de milhões de toneladas de alumínio, concreto, plástico, gás carbônico e substâncias tóxicas que nunca existiram na natureza.
É uma façanha inédita e fantástica.
Nossa raça sapiens estaria de parabéns não fosse os pêsames da Terra, que não suporta nem mais um chip, escapamento, sacolinha plástica ou qualquer outro tipo de dejeto.
Não há escapatória à vista, nem econômica, nem tecnológica, nem teológica.
O espaço abarrotou, o tempo de consertar acabou.
Ah, sim, me lembram os futurólogos e gurus de plantão: podemos fugir para Marte ou para Vênus, um quente e outro gelado como o inferno previsto pelos profetas apocalípticos.
Só que o sábio e bem humorado Neil Tyson, o astrofísico pop, mata a cobra da neoutopia e mostra o pau da distopia em que nos metemos:
Se recursos de geoengenharia e disposição política tivéssemos para essa saída pela porta dos fundos da migração celestial, seria mais sensato transformarmos a Terra em Terra de novo.
Só que sensatez é um estágio que não atingimos com nosso grande e desmiolado cérebro de homo burrus, ex-sapiens.
Ulisses Tavares,
dinossauro poético, pede desculpas a Terra por existir nesta Era, em nome de todos que a amam e respeitam. Teme apenas que ela, com razão, desta vez não vá perdoar.