Pelos idos finais dos anos 60 , sei lá, eu o vi, num relance,
na rua, entre outros jovens. Era muito lindo, diferente, esguio, com longos
cabelos negros, sedosos, em ondas, esvoaçando ao vento. Esfuziante
de alegria, trazia um livro debaixo do braço que a minha intuição
adivinhou tratar-se de um livro de poesias. Sim, porque todo ele era um
Poema, um Byron jovem que meu olhar de artista captou no breve instante.
Alguns anos passaram-se e um dia constatei que aquele jovem que eu
vira era um poeta, um escritor que surgia: Caio Fernando de Abreu.
Comprei seu livro e maravilhei-me, chamava-se Morangos mofados. Uma
sensibilidade tão especial, tão própria dos eleitos
das Musas.
Mais alguns anos passaram-se e, de longe, eu acompanhava a carreira
daquele escritor que me cativara. Venturas e desventuras era composto o
seu
caminho.
Sua literatura chegou ao exterior, passando por romances, contos e
peças teatrais. Suas esplêndidas crônicas seguiam sendo
publicadas no Rio, São Paulo, Minas e Porto Alegre para onde regressara,
as quais, por vezes, levavam-me às lágrimas.
Numa tarde dessas, ao trafegar por uma rua transversal do Menino Deus,
em plena tarde de ardente primavera eu reconheci sua figura, toda de branco,
saltar do meio fio para alcançar o passeio mais adiante. Não
parecia humano. Pareceu-me uma grande garça ou algum pássaro
branco que pousava depois de um vôo rasante.
Emocionei-me, pois senti sua alma tão volátil, pura como
uma nuvem, ave radiosa ou um ser transcendental.
Sua visão trouxe-me paz e harmonia ao meu coração
ferido e alma inquieta.
Coisas da vida e do amor que naquele instante julguei tão sem
importância diante de uma visão maior de luz e de esperança.
Então, segui pela orla do lago acompanhando as nuvens num céu
azul...
(25.10.1995)
***
Pela data, esta crônica foi escrita antes da morte do escritor
Caio Fernando de Abreu, que partiu no verão seguinte, em 25/02/1996...
Foi assim que minha alma passou pela de Caio, sem nos aproximarmos,
mas ela sentiu e reverenciou aquele que me pareceu um anjo deslizando pela
Terra.
Tenini