O dia 16 de abril de 1994 caiu num sábado. Em Pirenópolis, sob a inspiração de Wilno de Pina, Maria Eunice e Arnaldo Setti, e com trabalhos de pesquisa e coordenação de José Mendonça Teles e José Sizenando Jaime, era fundada a Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música. A Pousada Quinta Santa Bárbara foi sede dessa festa, após a qual meu primo Luiz Antônio Godinho me contou, em baixa voz: “Eu não quis lhes dizer antes para não estragar o momento, mas Anatole Ramos morreu hoje”.
A minha reação foi de silêncio. Um silêncio curto, suficiente apenas para confirmar que num momento em que pensamos começar um novo ciclo, outro se fecha. Não que um se proponha a continuar o outro, mas... É o festival pirotécnico da existência. Anatole Ramos, o sargento vermelho; o funcionário do Correio que era jornalista; o repórter que era professor; o bacharel que não quis advogar... Como bom mineiro, era ele um homem que nasceu para o mundo.
Vejamos uma faceta dele: sargento da Aeronáutica, esteve na FEB a Força Expedicionária Brasileira. Para os mais moços (esses que não sabem quem é Chico Buarque, a FEB significa a força militar brasileira que lutou na Itália para expulsar os alemães na II Guerra Mundial. Pelos idos da década de 80, o Governo Federal decidiu homenagear nossos heróis combatentes (herói, até então, não era participante de “biguebróder”, não). Um comandante veio a Goiânia e “medalhou” os ex-pracinha (expressão pela qual são tratados os que estiveram na FEB). Anatole recebeu a medalha com certo constrangimento; disse ele:
? Combatente, não; não dei um tiro sequer, eu apenas armava os aviões que decolavam para os combates.
Pura humildade, meu querido padrinho Anatole... Se você não trabalhasse bem, nossos pilotos seriam abatidos e a democracia poderia ter, hoje, outro conceito. Como o beija-flor da fábula do incêndio, você fez a sua parte, sim.
Complicações degenerativas, conseqüentes da diabete, tomaram de nós o grande cronista do Cinco de Março e de O Popular. Pouco antes de morrer, ele publicou crônicas e poemas nas colunas do Diário da Manhã. No período de 1960, aproximadamente, até sua morte, não há em Goiás jornalista ou escritor que não tenha passado por sua companhia e muitos dentre nós absorvemos dele muitas lições de ética, de profissionalismo e de amor à Pátria – para não falarmos em uso correto da língua portuguesa e muito, mas muito mesmo, de literatura.
Tenho certeza de que, ao homenageá-lo, neste 16 de abril, faço-o em nome de muitos colegas e amigos e, também, em nome de muitos de seus alunos e leitores. Ao desencarnar, não sabia que fundávamos uma Academia de âmbito municipal na vetusta Pirenópolis. E esta, ao comemorar dez anos, homenageia o mestre Anatole Ramos, cidadão do mundo como todo bom mineiro, tendo-o em conta de um mentor cultural e espiritual de nossos esforços para consolidar a ação dos que tentam fazer cultura nestes tempos e lugares ligeiramente hostis às coisas de espírito.
Luiz de Aquino