A Santa Poesia de Auta
“A tormenta se desfizera ao pé do túmulo; e do naufrágio em que se abismou esta singular existência, resta o Horto, livro de uma Santa”. (Henrique Castriciano)
Auta de Souza Nasceu em Macaíba, então Arraial, depois cidade do Rio Grande do Norte a 12 de setembro de 1876, era magrinha, calada, pele  morena clara. Era filha de Eloi Castriciano de Souza e de Dona Henriqueta Rodrigues de Souza. Antes de ter completado 3 anos, ficou órfã de mãe e aos 4 anos de pai. A sua existência, na terra foi assinalada por profundos sofrimentos e tristezas.

Além dos pais, assistiu a morte de seu querido irmão Irineu Leão Rodrigues de Souza, vitimado pelo fogo produzido pela explosão de um lampião de querosene, na noite de 16 de fevereiro de 1887.

Pouco antes dos 12 anos, foi estudar no Colégio São Vicente de Paulo, em Recife onde recebeu carinhosa acolhida por parte das religiosas francesas que o dirigiam e lhe ofereceram primorosa educação: Literatura, Inglês, Música, Desenho e aprendeu a dominar também o Francês, o que lhe permitiu ler no original: Lamartine, Victor Hugo, Chateubriand, Fénelon.

Aos 14 anos manifestaram-se os primeiros sintomas de tuberculose, sendo obrigada a abandonar os estudos, voltar ao Rio Grande do Norte e iniciar uma longa peregrinação pelo interior em busca da cura.

Aos 17 anos nasce a poeta. Seus versos são recitados em festas sociais e saraus poéticos. Segundo o escritor Manoel Onofre Júnior, Auta de Souza improvisava poemas durantes essas reuniões e a maioria eram perdidos por falta de quem os anotasse.

Auta de Souza não era franzina, como se costumava idealizar. Hoje, sabemos que ela era cheia de corpo, uma morena graciosa de estatura média e com uma voz musical. Sobre a aparência de Auta de Souza, o mestre Cascudo a descreve: “Os grandes olhos negros eram sombreados pelas sobrancelhas espessas e os longos cílios avivavam, coando o olhar penetrante. O cabelo era repuxado para o alto, preso em coque, preso por uma fivela ou broche de ouro. As mangas do vestido desciam aos pulsos e a gola do vestido recobria o fino e nervoso pescoço. Era precaução e era moda. Os olhos do pai e os lábios da mãe”.

O forte sentimento religioso e a doença não impediram de ter uma vida absolutamente normal em sociedade. Luís da Câmara Cascudo, no livro “Vida breve de Auta de Sousa”, demonstra que Auta de Souza tinha uma paixão amorosa, na sua juventude. Com as decepções do coração, passou a sublimar essa paixão na sua religiosidade.

Por um processo de transferência, passou a alimentar o seu sonho em Jesus Cristo, em Nossa Senhora, no Anjo da Guarda. Cascudo não descrê do seu sentimento religioso profundo, mas não acredita que fosse ascético ou místico. O soneto “Extinto” é outra confissão clara de sua paixão terrena. Ouvindo informações de velhas amigas de Auta de Souza, Câmara Cascudo cita o nome do jovem por quem Auta de Souza se apaixonara: o bacharel João Leopoldo da Silva Loureiro, paraibano, promotor público em Canguaretama e depois em Macaíba.

Dotada de aguda sensibilidade e imaginação ardente, dedicava ao namorado amor profundo, mas a tuberculose progredia e seus irmãos convenceram-na a renunciar. A separação foi cruel, mas apenas para Auta. O Promotor não demonstrou a menor reação.

Essa sucessão de golpes dolorosos, marcou profundamente sua alma, caracterizada por uma fé ardente e um profundo sentimento de compaixão pelos humildes, cuja miséria tanto a comovia. De acordo com seu irmão, o poeta Henrique Castriciano, era vista lendo para as crianças pobres, para humildes mulheres do povo ou velhos escravos, as páginas simples e ingênuas da "História de Carlos Mágno", brochura que corria os sertões, escrita ao gosto popular da época.

A orfandade da poeta ainda criança, a morte trágica de seu irmão, a moléstia contagiosa e a frustração no amor, esses quatro fatores somados à forte religiosidade de Auta de Souza, levaram-na a compor uma obra poética singular na História da Literatura Potiguar: "Horto", seu único livro, é um cântico de dor e paixão cristã. A primeira edição do “Horto” foi publicada em 20 de Junho de 1900.

Sobre o livro “Horto”, Henrique Castriciano escreveu: “Assim, o “Horto, em vez de uma coleção didática de salmos católicos, encerra, com a tristeza de um pobre ser cruelmente ferido pelo destino, perturbado em face do mistério da vida, a queixa universal do sofrimento humano”.

Coube a Olavo Bilac fazer o prefácio do “Horto” a pedido do irmão Henrique Castriciano. Os artigos dos natalenses nada contribuíram para projetar a imagem de Auta de Souza para o país inteiro. É o próprio Cascudo que sentencia: “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”.

De acordo com o escritor Tarcísio Gurgel, a poesia de Auta de Souza atinge um nível de erudição esplendorosa, em sua época. “Seja pela elegância, suavidade do seu estilo (escolha das palavras, musicalidade dos versos, beleza das imagens), seja pelo sentido de angústia existencial ou busca do amparo religioso”, escreveu Gurgel, revelando a simplicidade e a profundidade na poesia de Auta de Souza.

Em sua “Pequena Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira”, Otto Maria Carpeaux afirma que Auta de Souza foi descoberta pelos críticos católicos, em face do “espiritualismo religioso” de sua poesia.

O escritor Manoel Onofre Júnior levanta a hipótese de um complexo de inferioridade, que teria a poeta, levada a negar sua própria cor, vendo qualidades na raça branca, a qual gostaria de pertencer, por ser esta de maior prestígio social, em seu meio. “Nessa simpatia obsessiva pelos brancos, como símbolos de pureza e elevação humanas, não se poderia surpreender um traço psicológico da poetisa, motivado pela sua condição social?”, questiona o escritor e cita alguns versos para provar sua hipótese, quando analisa a “cotovia mística das rimas”, caracterizados com elementos arianos “puros” os personagens mais queridos:

“Róseo menino
Feito de luz,
Lírio divino,
Santo Jesus!

Cabelos loiro,
Olhos azuis...
És meu tesouro,
Manso Jesus!”

Em 1901 Auta de Sousa passou a morar na casa n.º 441, da Avenida Rio Branco, aonde, após enorme sofrimento, veio a falecer no dia 7 de fevereiro daquele ano, com a idade de 24 anos.

Foi sepultada no cemitério do Alecrim e em 1906, seus restos mortais foram transladados para o jazigo da família, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Macaíba, sua terra natal.

Em 14 de novembro de 1936, houve a instalação da Academia Norte-Rio Grandense de Letras, com a poltrona XX, dedicada a Auta de Souza. Em 12 de setembro de 1948, a ANL apôs um aplaca comemorativa na casa onde morreu a poetisa, doação de João Carlos de Vasconcelos.

Alexandro Gurgel

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