Armando Sócrates Schnoor
(* Petrópolis/RJ, 22/05/1913 –  + Nova Friburgo/RJ, 12/12/1988)

Nesta segunda feira dia 22 de maio 2006 , meu pai completaria 93 anos. Tenho certeza de que estaria lúcido, "brincadeirudo" (como ele dizia) e tranqüilo como se tornou ao longo de sua existência. Agora que o tempo já permite brincar com a forma como faleceu, costumo dizer que se não o matassem ele não morreria, tamanha era sua saúde, vitalidade e disposição.

Quero escrever sobre ele para que seus netos e bisnetos que não o conheceram possam ter uma idéia mais completa do Homem do qual descendem. Uma de minhas filhas volta e meia reclama e pede por isso.

Vou mencionar rapidamente seus méritos e sua cultura, mas isto não é onde gostaria de me deter. Já perguntei aos mais novos sobre a imagem do avô mais presente em suas memórias e a resposta de todos foi a mesma: o avô brincalhão que ensinava bobagens e irreverências a todos os netos. Pois é sobre este ser humano que quero contar, depois de pincelar seus feitos públicos.

Armando foi o terceiro filho de quatro.
Quando jovem foi cartógrafo do IBGE e representou o Brasil na ONU, depois estudou escultura na Escola Nacional de Belas Artes aonde chegou ao topo da vida acadêmica quando defendeu e obteve a Cátedra de Escultura. Carreira esta, coroada quando, já aposentado, recebeu o título de Professor Emérito para que continuasse a fazer parte do corpo docente dando aulas nas classes de doutorado. Foi membro do Conselho Federal de Cultura e tem obras espalhadas no Brasil e no exterior.
No início dos anos quarenta, iniciou seus estudos sobre a cultura, religião e arte Egípcia que se tornou sua paixão até o fim da vida. Dentre os vários idiomas que falava, os hieróglifos foram, sem dúvida, a expressão mais difícil para encontrar interlocutores.

Armando foi um homem terno, sábio e aparentemente calmo. Sua qualidade que mais me marcou foi a imensa abertura de idéias e a aceitação incondicional e respeitosa do ser humano.

Quando criança me lembro de esperá-lo chegar do trabalho.Íamos pelas mãos de nossa mãe, minha irmã mais nova e eu, até o ponto do ônibus e, assim que ele saltava da condução já metíamos as mãozinhas em seus bolsos a procurar alguma coisa que ele trazia, na certa, para nós. Seu sorriso meigo e divertido era o melhor do dia e à noite, antes de dormirmos, pulávamos na cama de casal para ouvir histórias que ele sempre inventava.
Algumas poucas vezes, contadas nos dedos de uma só mão, o vi se zangar e algumas delas, para defender um de nós. No entanto, era muito exigente com as expressões profissionais suas e dos outros e apenas criticava duramente os que eram intelectualmente inconseqüentes e superficiais.
Discursava horas sobre seus assuntos de paixão e falava pouco sobre questões pessoais, menos ainda quando se tratava da vida alheia. Alimentava-se tão pouco como um passarinho, mas gostava muito de bom-bom, gulodices e a mania pelos biscoitos foi um hábito seu que passou de geração a geração.

A irreverência e o gosto pelas piadas ingênuas foram uma forte marca em sua personalidade e gerou alguns casos especiais. Uma vez, quando participava do Conselho de Cultura, tinha uma reunião importante e a haste de seus óculos partiu-se. Nosso pai não teve dúvidas, para consertar o estrago amarrou um fio de barbante no encaixe da haste e o enrolou a volta de sua orelha, para desespero de nossa mãe que levava muito a sério os cargos e hierarquias.

O remendo fez sucesso entre seus pares e ele divertiu-se com esta solução, assim como em outro fato que sempre nos contava: Estava em uma recepção de embaixada no exterior quando uma bela dama, a mais linda da festa, fez menção de fumar. Vários homens correram com seus isqueiros de ouro e prata, das marcas mais conhecidas e importantes para acender o cigarro da dama enquanto ele puxou de seu bolso uma peça de folclore. Tratava-se de um acendedor oriundo do interior brasileiro, um isqueiro cujo pavio imenso saía do bojo como uma cobra que queimava. A mulher, curiosa, acolheu sua oferta e ainda ficou horas perdidas conversando com ele sobre o curioso artefato.

Quando ficou viúvo sofreu muito. Foi muito apaixonado por sua esposa, mãe de seus cinco filhos e custou a recuperar-se. Melhorou bastante quando, aos setenta anos completos, conheceu aquela que foi sua segunda mulher. Ela havia sido sua aluna há muitos anos e voltou a encontrá-lo em uma palestra sobre egiptologia. Após algumas investidas, ela que estava viúva desde muito cedo, conseguiu conquistá-lo. Foram morar juntos e então aconteceu um novo fato engraçado. Ficamos amigas e um belo dia, muito preocupada, ela perguntou se ele não estaria um pouco esclerosado. Quando deu seu motivo para a suspeita, baseado num comportamento quase infantil, tivemos que rir bastante. Ela conhecia e mantinha a imagem séria do “Professor Schnoor”, quando começou a conviver com as besteiras que ele dizia e fazia sem perceber que eram parte do outro lado da personalidade daquele homem. Conseguimos tranqüilizá-la afirmando que ele sempre fora um palhaço na intimidade.

Seus netos mais velhos lembram com carinho de toda a liberdade de ser que ele ensinou, tanto nas brincadeiras como pelo exemplo de vida.
Aquele homem que pouco falava, me deu seu apoio franco e aberto em todas as horas da minha vida em que meus atos estavam em desacordo com as normas sociais. Nos deu exemplos pessoais de naturalidade para com as coisas do corpo, da natureza humana e da sexualidade e, embora tivesse timidez para expressar afetos e emoções, para mim ele parecia transparente.

Seu exemplo de respeito ao ser humano, a liberdade de viver e a seriedade intelectual são legados inestimáveis que o mantém vivo em cada um de nós, embora possamos nos sentir como extraterrestres neste mundo, tão distante de sua sabedoria, em que hoje vivemos.
Você sabe o quanto agradeço por ter sido sua filha. Com amor,

Angela Schnoor

Em 21 de maio de 2006

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