Pique-Ajuda
  
  Acomodei-me e respirei fundo. A corrida me tirara as focas por uns instantes, mas, tinha conseguido meu intento. A noite tinha se chegado sem avisar. Meu peito roncava querendo ar. Uma das mãos acudia o peito, a outra especada no pé de Jamelão.
  
  Meu tempo estava acabando, tinha novamente que ficar à disposição do Pega. Mirei o vulto do pe de mamoneira e disparei uma corrida, os pés batiam na bunda, o vento soprava nos ouvidos, vuuuuuuuuuu. Meu sorriso era largo quando minha barriga sentiu o chão áspero sob a mamoneira.
  
          A meninada batucava os pés descalços na terra seca. Eu, com uma orelha pregada no chão, ouvia o corre-corre que se aproximava e se afastava. A terra vibrava sob aqueles pés lépidos. O ar reverberava sob o efeito da algazarra das gargantas. Na noitinha não se ouvia outra coisa além dos tuque! Tuque! E os berros. Ora ou outra vinha um grito ao meu ouvido:
  
          - Peguei! Agora você é o Pega!
         
          Eu era um dos maiores do grupo. Mas não dos mais danados, esses, sempre são menores. A brincadeira continuava na correria. O ponto de referência era o Jamelão. Eu gostando de estar ali na sombra da lua magrela que desfilava lá alto, parecendo foice sem cabo. Mesmo com a luz fraquinha, ela atravessava as folhas da mamoneira e pincelava minhas costas de claro.
  
          Pus-me de pé e firme minha intenção no rumo do Jamelão. Meus pés quebravam a macega seca do caminho virgem. Os ramos ardiam minhas canelas de socó.  Agora era um bando de Pegues. Eu era o ultimo a ser pagado, porém, eu não sabia. Mirei a grande sombra, mas, quando já ia imaginando esticar o braço para tocar o Jamelão, tropecei em algo e fui de cara no chão.
  
  A noite entrou em meus olhos e ateou fogo no sangue quando ouvi uma gargalhada sátira emparelhada comigo. Minha mão estalou numa fuça, ardeu e formigou estancando a maldita galhofa. Fez-se imediatamente um choro. A foice cortou um pouco do escuro dos meus olhos, o fogo do sangue, acalentava as cinzas.
         
          Tudo indicava calmaria quando muitas bocas gritaram um dissonante:
  
         - CUIDADO!!
  
          Meu pescoço se torceu um pouco para a direita. Um objeto passou sibilando grosso junto a minha orelha.  Chegou arder um pouco, instantes depois.  Foi estrondar no peito do Jamelão. Não disse nada em casa. De nada adiantaria, custar-me-ia bem uma surra de vara verde. Daquelas de levantar calombo, depois a marca fica pregada na pele por uma semana.
  
          Bem de manhãzinha, com o chilrear dos pássaros, e a noite já abandonando as galhadas do Jamelão; acheguei-me bem perto para avaliar o estrago. Ouvi a noite inteirinha a banda de tijolo molestando a minha orelha: a pobre estava agoniada, sensível. Minha mão esquerda a afagava levemente.
  
  Por entre a forquilha do Jamelão achei o Pedrinho me observando de lá da outra banda da cerca.  Ia e vinha, parecia preocupado, não me olhava direto, parecia um pequeno touro enjaulado.

José Mattos

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