CAMINHADA

         Foram dias cruéis de rebeldia infante sem saber ser. Apenas rebelar-se a si. A si rebelar-se próprio e nada enfim sorria...

         A mochila viajante de cor alguma de mato enchia-se de ar fétido e algumas dores reveladas.

         O pé na estrada, trêmulo, não ia, apenas sonhava ir. Nas cidades que conheceu só guardou lembranças d'água.

         Cortou-se em pequenas tiras, cada uma finamente ornada com mágoas de ainda tentar ser o que deveria ser um dia.

         Então, cansou de não andar, pulou numa poça de lama e lá ficou, olhando o nada, sonhando sempre em ser.

         A lama era já todos os lados e andar ou ficar era o mesmo. Sem horizonte azul-lilás, sem céu, estrela ou luar.

         Rodava então feito pião, desequilibrado no próprio eixo sem sair do lugar. Tonto esperando apenas o fim.

         Paralisado em tudo, em todos. Desacreditando alegria de ser, deixou-se afundar cada vez mais. Afundava dentro e fora de si.

         Ao sentir o gosto da lama na boca que já não dizia, tremeu os olhos em aflição, chorou algum socorro desesperado.

         E de onde não acreditava surgiu a mão que o içava. Subia lentamente sem ser com o fio de lama despencado.

         E aos poucos, num lento acordar, olhou para trás e já se via, criança arredia e tão triste, lutando por ser o que não era.

         Agora caminha lento, mas firme. Ainda há lama a abandonar, mas, o que mais lhe importa é saber que ser, será, no dia que chegar.

Paula Cury

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