ASAS DA RAZÃO

               As primeiras gotas de chuva começam a cair no meu telhado. Depois de toda seca, a Natureza agradece, humildemente, às nuvens carregadas que passam aqui por cima.

               Minha lembrança voa longe. Recordo um rosto, com um meio sorriso, o semblante rejuvenescido pelos meus olhos que derramam generosidades próprias de quem gosta.

               Procuro na minha memória os fios e as tramas desse sentir mais incerto que surgiu nem sei de onde e que vai para lugar nenhum. Mas não me desencanto com isso. Quem quer ir para algum lugar? Quero apenas ficar aqui mesmo, nesse exato lugar. Plantada que estou a tantos infortúnios e interesses de toda a ordem. Atormentada por passos desequilibrados, cômodos, necessários, apáticos, porém, reais. Responsabilidades que não posso simplesmente descartar como cartas de baralhos amassadas. Reflexo do que consegui como ser humano. Certo ou errado? Não sei. Sei que é o que vai me deixar mais tranqüila, menos egoísta, mais coerente, menos complicada diante do mundo.

               E é diante desse mesmo mundo que me explico. Diante desse mesmo mundo que nunca se explicou para mim. Fazer o quê? Apenas sentir e correr para ver as andorinhas voando lá no alto. Ficar feliz em vê-las migrar a cada estação. Torcer para que seus vôos sejam, totalmente, livres de caçadores e gaiolas. Continuar no meu mundo solitário e aguardar o próximo verão, quando, retornarão em número maior anunciando a sobrevivência da espécie.

               Também sobrevivo às estações em vôos rasantes e incertos.

               Quantos caçadores e alçapões encontro pelo caminho, deslizando em ninhos e cantos de aves raras, araras azuis extintas, tamanduá, mico-dourado. Eu e mais um pouco da minha espécie, que respiramos as custas do amor. Só amor para compreender as vicissitudes dos pássaros e dos homens. Gaiolas de pensamentos despertos e cobranças profundas. Amor que nos guarda da revolta, das tempestades, dos gaviões. Andorinhas e pessoas numa mesma trajetória a favor do vento. Dores que foram proveitosas. Sofrimentos edificantes de tormentos e prazeres. Falsas felicidades bem no olho do furacão. Verdadeiras declarações de eterno amor, mesmo sabendo que até ele, como as andorinhas, também voará um dia. Vida que se vive a todo o momento, com as pessoas, sem chegarmos à conclusão do que realmente queremos do outro. E de nós? O que queremos afinal? Tanta coisa eu quis e não tive. Outras quis e conquistei. Agora não quero mais nada.

               Deixo-as fazer seus vôos e, se quiserem seus ninhos no meu telhado, para se proteger das tempestades de verão. Serão bem-vindas!

               Entrem e se apoderem do meu telheiro. Façam ninhos, tragam vidas. Cantem, para que eu desperte mais contente!

               Sou um pássaro também. Trago as asas cortadas e o velho coração apaixonado.

Cláudia Villela de Andrade

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