O coração deserto
Antonio Júnior

INTRODUÇÃO

por Antonio Júnior (**)

    O título sintomático desta novela procura a precisão, a flexibilidade e o alcance  dos claros-escuros da dor e degradação do homem. O argumento sombrio criado em Una, no ano de 1992, numa fazenda de cacau e seringa, reflete a epopéia que levou a região do cacau à falência moral, espiritual e econômica. Foi lido por escritores-amigos como Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles, Caio Fernando Abreu, Pedro Paulo de Senna Madureira. Somente Caio o apreciou.
    Pensei inconformado em mudanças bruscas, misturando tempo e espaço, ficção e realidade, sentimento e frivolidade, necessidade de convívio e apego à solidao, imagens cinematográficas e diálogos artificiais, êxtase apocalíptico da pintura de Hyeronimus Bosch e o delírio de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll. Os inúmeros personagens são reconhecíeis na rapsódia grapiúna: jornalistas, boêmios, políticos, milionários, viciados e prostitutos. Todos dominados pela angústia num mundo de tortuosos e incontroláveis sentimentos.
    A vida é torpe. A morte não é mais que um episódio sem importância. A época são os anos 80 em qualquer cidadezinha agarrada ao tédio. Pensei  em cenários e diálogos falsos de filmes melô como Em Cada Coração um Pecado, O Estranho Amor de Martha Ivers, Quem é o Infiel?, A  Filha de Satã, A Caldeira do Diabo, Veludo Azul. Drogas, prostitutas, insensíveis, corruptos, misóginos, desajustados. Alusões à pintura de Francis Bacon, ao cinema de Jean Vigo e Gus Van Sant.
    É um romance de mistério, porque tudo foi escolhido para desnortear. Os personagens esboçados desaparecem como numa noite de neblina e sombras, num truque entre realidade e aparência. Estão vivendo o seu turning point, criado para expressar um poder destrutivo. Cain Infante, um intelectual desesperado de 30 anos, arrasta o seu infortúnio através de uma sucessão de fatos sem destino e é talvez o nome central da trama e o particular é esse homem ameaçado, dissimulado - se bem que Jean-Pierre domine o quarto capítulo, e a encarnação do vazio existencial seja o verdadeiro protagonista.
    Essas informações são para o leitor que espera o escândalo de uma nova Gabriela, revelando o imaginário sublimado do Sul da Bahia, ou o hermetismo do nouveau roman. Nem uma coisa nem outra. Não há malabarismos lingüísticos, nem um coquetel de informações terríveis. Uma linguagem afetada, um mundo de dissolução de espíritos em que impera a total ausência de paz interior. São histórias amargas, um jogo infernal de espelhos, um universo caótico e enlouquecido, sem lugar para sentimentos profundos e solenes, denunciando a violência emocional que invadiu a vida privada.
    O livro tem a gênese do policial, até a pretensão do estilo noir, mas seus três elementos fundamentais - o criminoso, a vítima e o detetive - praticamente não existem ou não são importantes. O suspense e o romance policial, como objeto de consumo, são válidos aqui. Assim, como a estrutura desse gênero literário perpetuado em obras de Raymond Chandler, David Goodis, James M. Cain e mais recentemente Patricia Highsmith.
    Seguir os caminhos ansiosos e complexos da repercussão de inúmeras cartas sem assinatura numa cidadezinha vulgar é acreditar na imaginação poética e aterrorizante.

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