Diário de uma cachorrinha
José Celso Garcia

 


A maternidade

Novamente, Tina vê seu corpo se modificando, sem saber o porquê. Só após o nascimento de seus filhotes, percebe que não esteve doente. E relata suas impressões da nova vida.


Meu Diário
Diamantina Edgarda

15.11.99 - Minha barriga está crescendo muito, não estou nem conseguindo mais ficar em pé de um pulo só. Estou meia enjoada, mas não como no mês passado. Estou me sentindo bem.

30.11.99 – Minha barriga continua crescendo — o quê será isso? Os grandões estão vendo e não fazem nada.

11.12.99 – Minha nossa! acho que minha barriga vai estourar. Eu tenho comido bem mais, mas não a esse ponto. O quê será?

12.12.99 – E estourou mesmo. De madrugada começaram a sair uns cachorrinhos miudinhos de dentro da minha barriga. De
manhã eu já estava magrinha de novo. De diferente eram umas bolotas que cresceram na minha barriga e que os cachorrinhos
não cansavam de chupar. Também pudera, saia leite do bico das bolotas. Fiquei deitada o dia inteiro, estava exausta de tanto
botar cachorrinho para fora. Só tinha um que não se mexia. Eu limpei eles direitinho com a língua. São todos pretinhos, alguns
com mancha branca. Tem um com u’a mancha branca no peito que a Dona Cidinha disse que é dela e que vai se chamar
Timão. Não sei por que!... Eu é que tive todo o trabalho e agora é dela? De jeito nenhum. É meu! O que não se mexia a Dona
Cidinha tirou da caixa e não o vi mais. Mas também não importa, estava estragado mesmo. Ah!, na hora que eu senti a barriga
espremendo eu corri para a cama da Dona Juma e não sai mais de lá. Não sei se ela gostou muito, mas paciência.

13.12.99 – Dona Cidinha fez uma cama nova para mim, maior, novinha. Eu contei os cachorrinhos e eles eram tantos quantos
os dedos das minhas patas da frente juntas. De tanto eles ficarem chupando os bicos de leite já está doendo. Um até está
meio ferido. De vez em quando eu saio para dar um tempo, dar uma volta, fazer minhas necessidades e comer alguma coisa. O
grandão toda hora põe leite na minha vasilha. Acho que ele pensa que eu sou mamadeira. Põe o leite em cima para sair em
baixo. Mas se eu me demorar os cachorrinhos começam a chorar e eu não posso ouvir choro de cachorrinho, ainda mais dos
meus. Volto correndo. E não deixo qualquer um chegar perto não. Só os grandões, que eu também não sou louca de rosnar
para eles. Mas os outros não chegam não. O Seu Dinho até sumiu – acho que ele não é muito corajoso não. A menos que ele
imagine que os cachorrinhos vão mamar nele.

14.12.99 – Agora tem uma coisa, na hora que os grandões estão almoçando eu colo neles para ver se sobra alguma coisa para mim. Sempre sobra. Agora mais ainda. Acho que eles sabem que estou com mais fome. Como está chovendo... gente! Nem posso sair da coberta para não molhar o pelo, senão como vou aquecer os cachorrinhos?

19.12.99 – Já está enchendo o saco. Esses cachorrinhos não largam do meu pé... melhor dizendo, das minhas bolotas. Nada
enche a barriga deles. Até parecem eu... Hoje saí às vias de fato com a Dona Juma — se meteu a cheirar meus cachorrinhos.
Parti pra cima dela. O tempo fechou. A Dona Maria Lúcia e a menina Gisela começaram a gritar. O grandão veio atrás de mim
e me tirou de lá. A Dona Juma se mandou, mas eu estava mais a fim de ir atrás dela e terminar as mordidas que eu comecei a
dar. Se ela quiser cheirar cachorrinho que faça com os dela. Não admito! O Seu Dinho estava por perto, apavorado, mas não entrou na briga não.

21.12.99 – Até que os cachorrinhos estão gordinhos. Mas também eu pareço uma mangueira de leite – os grandões me
atocham leite de vaca pela boca abaixo e os cachorrinhos chupam tudo pelas bolotas na minha barriga. Estou me sentindo um
leiteduto, mera mamadeira de oito bicos. Não tenho preferência pelos bichinhos. Só tem uma cadelinha, o resto é tudo macho.
A cadelinha é toda diferente, tem as patinhas e a barriga brancas. Os outros ou são inteiramente pretos ou tem algumas pintas
brancas. Ainda não dei nome para eles. Deixem eles crescer mais para batizá-los.

26.01.00 - Ei! Viram? Que enchente, hein?! E não teve "bugre" do milênio nenhum. O computador continua computando. Eu é
que sumi dele por causa dos cachorrinhos. Como essas crianças dão trabalho... Mas agora eles foram todos embora. A dona
Cidinha foi tirando de dois em dois até não sobrar mais nenhum. A última a ir embora foi a cadelinha. Era a mais ativa. Ficava
brava quando alguém chegava perto. Mas era só jogo de cena. Logo fazia amizade e já ia no colo de qualquer um. É uma
cadelinha mesmo... Estou só novamente. Essa vida de cachorro é realmente muito estranha.

 

 

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