Capítulo 7
Os Deuses Não Devem Chorar
A vizinha "galinha" viu, pela janela do seu quarto, o instante em que o corpo de Silveirinha despencava no vazio e correu para ver o que estava acontecendo. Passou muito rápido e ela não pôde identificar quem era o cidadão. Achou parecido com o velho do vigésimo-quinto andar, que andou lhe paquerando uma certa vez, mas ela não tinha certeza. Fez o sinal da cruz quando o corpo caiu sobre a Kombi e rolou para a calçada. Na mesma hora se formou uma multidão de curiosos ao redor do corpo. O motorista da Kombi pôs a mão na cabeça. Sua preocupação com o prejuízo era visível e parecia xingar o defunto. O trânsito começava a congestionar e o carro do resgate teria dificuldade em se aproximar. No estado em que ela estava vendo o corpo, o certo mesmo seria o rabecão e os médicos legistas. Não dava para ver, mas era fácil imaginar que não tinha ficado nenhum osso inteiro.
Olhou para o horizonte e notou que se formavam nuvens de chuva além da sua linha, mas por enquanto não impediam de se ver o Sol despontando no céu carregado. Era um péssimo dia para se morrer, se é que existe dia bom para isso, pensou tristemente. Divisou, ao longe, luzes de carro de polícia. Ficou atenta pois, atrás de um rabecão e de uma sirene, sempre vem um carro de uma rádio qualquer dar a notícia em primeira mão. As más notícias sempre são as primeiras a chegar.
Foi na gaveta da cômoda e pegou um binóculo. Mirou na direção das sirenes e viu um carro de uma rádio-emissora colado no fundo da viatura. Aguardou a chegada do mesmo, que levou uns dez minutos até estacionar na calçada do seu prédio. Com o binóculo, viu o prefixo da rádio-emissora, foi na sala, pegou um radinho de pilha, sintonizou na emissora e ficou aguardando o link de reportagem. Havia uma verdadeira multidão de curiosos atrapalhando o trânsito e o trabalho da polícia, que começou a amarrar cordas isolando a área. Finalmente o locutor avisou que passaria a falar do link da rua tal, onde havia um suposto suicídio, e chamou o repórter, que já tinha uma ficha completa do cidadão, só não sabia dos motivos que levaram o infeliz a se jogar do vigésimo quinto andar. Quando o repórter disse o nome completo do morto, a vizinha "galinha" teve um sobressalto. Não. Um susto. Não. Um choque que a fez largar o rádio de supetão, como se tivesse levado um choque elétrico. Sua pele amarelou. Seus cabelos arrepiaram. Não, não e não! Não podia ser, não era verdade! Era uma grande e desafortunada coincidência! O mundo virtual é cheio de surpresas. Boas ou más, porém cheio de novidades. Como poderia ser desse jeito, me diga?
Sentou-se na cadeira do computador, encostou o rosto no teclado e chorou copiosamente. As lágrimas escorriam como goteiras em dia de tempestade. Soluçava sufocada, abafando a vontade de gritar. Levantou a cabeça e mirou o monitor. Na tela, uma lista de um grupo literário e um apelo: "Formiguinha, você está aí?" Abriu a mensagem, clicou em responder, e, tensa, chorosa, inconsolada e revoltada, desabafou: "Eu lhe dei chifres e não asas, seu idiota!"