"A Cultura é
expressão, em diferentes formas, dos valores e crenças de
um povo ou mesmo de pessoa".
Há um certo
conhecimento que compõe a sociedade em sua essência, um sistema
que tem significado para ela.
Ao estudarmos a Cultura
Popular, o Senso Comum, vamos esbarrando em valores implícitos que
possuem um poder muitas vezes maior do que o poder imposto por Leis e determinações
organizacionais da sociedade.
A exemplo temos toda
a estrutura social, como pano de fundo do comportamento social, onde todo
um "código" de honra é ritualizado e aceito sem questionamento
por grande parte da comunidade, independente da lógica ou ganhos
e perdas que pode acarretar; as reações de resistência
e os efeitos que provocam na comunidade.
Estudarmos a Cultura
Popular nos remete a um mundo riquíssimo de valores e bastante peculiar
em seu movimento evolutivo e de expressão.
Num enfoque antropológico,
consideramos com especial atenção, a linguagem e toda expressão
oral e escrita da sociedade. Há que se perceber toda a simbologia
que está implícita nas formas de expressão da sociedade.
Podemos reconhecer
que há uma certa dinâmica no processo da Cultura. Tanto o
imaginário como a prática social e a produção
material precisam ser compreendidas em seu simbolismo e dinâmicas
próprias, para que se possa compreender a Cultura.
Gramsci tinha como
proposta a constituição de um novo bloco histórico.
Buscava soldar organicamente os intelectuais e a classe subalterna. A base
desta idéia é a filosofia marxista, filosofia da práxis.
Uma ação com intencionalidade definida com qualidade de intenção
e objetivo claro e determinada.
Para este autor a
classe que deveria fazer a mudança era a subalterna, a proletária,
porém em seu julgamento a classe não tinha condições
de fazê-la.
Percebe-se claramente
que o autor não reconhecia a dinâmica interna dessa expressão
cultural (senso comum). Na verdade ele não percebia a natureza própria
desta cultura, uma certa autonomia na dinâmica.
Gramsci considerava
a cultura popular como apenas reprodução de valores e conhecimento
e nunca como produtora; uma cultura passiva, que jamais criaria uma visão
de mundo capaz de gerar mudanças.
Não acreditava
na capacidade do senso comum deslocar-se da realidade imediata, de sair
da
fragmentalidade e engendrar uma nova visão de mundo.
Gramsci em seus estudos
nos ajuda a entender a natureza do senso comum. Um conhecimento heterogêneo,
assimétrico, histórico e fragmentado.
Em realidade o Senso
Comum é coletivo, socializado, nasce no bojo de milhares de informações
cruzadas. Entrar nesta dinâmica é realmente um desafio e algo
difícil de se realizar.
O senso comum, enquanto
manifestação da cultura popular possui uma dinâmica
própria que no mais das vezes passa desapercebida pelos intelectuais
de classe fundamentais.
Essa dinâmica
precisa de condições específicas para se desenvolver.
Pode-se pensar em uma fragmentalidade viva. Renato Ortiz detém seus
estudos na ambigüidade da Cultura Popular. Percebe claramente as duas
manifestações implícitas neste movimento, qual seja,
a de reprodução e a de contestação. Fundamenta-se
na insuficiência que os estudos de Gramsci demonstraram, através
da falta de percepção da dialética do processo da
formação do senso comum. Observa com olhar critico a ruptura
da ordem, o tempo utópico que permeia esta dinâmica, deixando
aflorar, mesmo que esporadicamente e de forma não intencional organizada,
a capacidade de resistência e os vestígios de uma tênue
capacidade de contestação. Após seus estudos estabeleceu
algumas premissas que viriam iluminar alguns pontos obscuros da cultura
popular.
1-
Inegável a existência de um elemento de contestação
além da reprodução social, e este elemento apresenta-se
como desordem simbólica;
2-
Os mecanismos de controle encontrados nos rituais populares são
na verdade oriundos da ideologia dominante. Há uma presença
da estrutura na comunita;
3-
Não se pode entender o espaço da cultura popular, com suas
manifestações utópicas, de maneira segregada da sociedade
como um todo. A estrutura dominante nunca consegue controlar plenamente
a desordem simbólica;
4-
O pensamento popular é heterogêneo internamente e dentro dele
temos diversas tensões. Isso confirma a fragmentalidade da cultura
popular.
O autor em questão
deixa claro que não se pode confundir heterogeneidade com incoerência,
sob pena de distanciar-se da compreensão da dinâmica da cultura
popular.
Evidencia que a fragmentalidade
é o elemento de resistência tanto ao pensamento marxista como
ao pensamento Burguês.
Ao observarmos com olhar
mais apurado os estudos sobre a cultura popular, vamos percebendo que ela
tem de per si um cunho próprio e um peso considerável no
formato que a sociedade vai apresentando.
O conhecimento popular é
plural, gestado na coletividade. É ético, mais específico,
oportunizando soluções para questões sociais, mais
imediatas. Está diretamente ligada a vida. Possui quase um caráter
prático.
Já o conhecimento
intelectual é mais singular, de certa forma isolado. Exige elaboração
para construção de alcance e compreensão mais profunda.
Resiste ao pensamento popular por não lhe atribuir o devido valor
e pela dificuldade que tem de reconhecer a sabedoria do povo.
Entre os vários especialistas
que se dedicaram ao estudo da Cultura popular, ainda registramos Alba Zaluar.
Uma de suas preocupações
era saber se o povo tinha a capacidade de participar da mudança
política. Uma preocupação que era partilhada por Ortiz,
que também buscava encontrar respostas para a efetiva participação
popular na política.
Alba Zaluar chega a algumas
conclusões após estudos, pesquisas e observações,
tudo ainda sendo comparado aos estudos que já haviam sido feitos
e as linhas de análise que a antecederam.
A autora afirma a autonomia
do senso comum e suas possibilidades de resistência à penetração
da ideologia dominante. Vai observando o cotidiano cheio de tensões,
o crivo natural que ocorria dentro da dinâmica do processo do pensamento
popular.
Encontra uma fragmentalidade
viva, que é construtiva da cultura popular. Essa percepção
veio da observação que ela fez do embate entre a ideologia
dominante e a ideologia popular.
A própria ideologia
dominante não é homogênea, apresenta divisão.
Não consegue impor a maioria absoluta. Mais uma vez vamos percebendo
que a fragmentalidade é o elemento que possibilita a resistência
à ideologia dominante.
Alba revê os conceitos
de ideologia e de Cultura.
A ideologia é visão
de mundo, portanto é uma verdade para um grupo, para quem a aceita
e a compreende. Torna-se problemática quando pretende ser absoluta.
A democracia é a
arte de conviver harmoniosamente com as diferenças. Defende a idéia
de que o povo pensa sim, mesmo sem que haja estrutura organizada neste
pensar. Há um processo social e cultural pelo qual as pessoas,
enquanto coletividade, estão criando e recriando suas representações
e práticas de vida Esse é o metabolismo do pensamento popular.
O que não é aceito pelos intelectuais que tendem a acreditar
que a massa não pensa e apenas reproduz o que lhe é imposto.
Também evidencia
que "uma idéia para se efetivar no âmbito popular passa por
um processo de negociação".
Para Alba a ideologia é
sempre um aparato de idéia.
"Ideologia é um sistema
de idéias que busca o consenso e a penetração nos
hábitos, a ponte de não ser mais percebido, como se funcionasse
como um mapa para ligar os caminhos da prática".
A ideologia é mobilizadora,
fala muito à emoção.
Na verdade a ideologia nunca
se espalha por completo, de forma absoluta. Ela não é totalmente
coerente, mas possui incoerências em si.
Na base de todo conflito
político está uma conflitividade cultural. É a tentativa
de impor ao mundo uma ideologia de como as coisas são em sua essência.
O alargamento da concepção
de política permite a Alba Zaluar usar a seguinte expressão
de Guertz: "curso político velado".
Alba descobre o "Curso político
velado" por onde passa a verdadeira política da nação.
Nesse movimento a classe popular vai tomando consciência, vai negociando
e vivenciando a própria política.
Há possibilidade
da massa ocupar espaços existentes para essa prática. Espaço
civil, espaço de cidadania.
Detendo-se zelosamente na
natureza ambígua e fragmentada do pensamento popular, nos apresenta
o dinamismo vivo do senso comum que possibilita a formação
de um senso de classe.
O que podemos perceber claramente
com a sensibilidade essencial da questão é que a cultura
popular tem uma maneira própria de se externar.
A cada época, cada
lugar, cada grupo vai manifestando de maneira genuína o fundo que
o sustenta, e o imaginário que o compõe.
Através da literatura,
seja por meio da poesia, da prosa, da linguagem cênica, musical,
de artefatos manufaturados, enfim toda a forma de expressão que
nos conte o ideário, o imaginário popular.
Neste sentido a cada época
a sociedade cria tesouros de inestimável valor, uma vez que cada
época possui de maneira "suis generis" sua própria história,
seu próprio código simbólico que registra de forma
única exatamente o momento vivo em que acontece.
Priscila de Loureiro Coelho/Cill