O DIREITO DO MAIS FORTE

Um animal selvagem prefere morrer a viver no cativeiro. É o que faria a Nora de Casa de Bonecas, de Ibsen, caso não abandonasse o marido. Ela não suportou a vida burguesa sombria e estreita, preferindo ser dona de seu próprio destino. O mesmo não acontece com a maioria dos brasileiros, pois aceita a ludibriação e a calúnia. Se bem que certas mentiras são soluções adoráveis, como bem sabem os políticos, as cortesãs e os telejornais. No entanto, é uma lástima quando a mentira deixa de ser um jogo inocente ou até sedutor, para ser utilizada como instrumento de hipnose coletiva, direcionamento ou censura. A propaganda política gratuita, por exemplo, é ordinária e charlatã. Já as campanhas anti-drogas, aquelas que alertam os jovens para o perigo das mesmas, são caretas e redundantes.  Lembro de uma que tinha como refrão, “Drogas, tô fora!”. Rá, rá, rá, meu caro leitor. Os da América do Norte, oportunistas como são, já publicam estudos de filmes feitos sob o efeito da cocaína. Com certeza a Globo não permitiria uma publicação com a mesma temática tendo suas telenovelas como fator determinante. Numa revista popular, o cantor Lobão declarou que não usa mais drogas. Pode colocá-lo numa camisa de força. Melhor que continue lançando bons CD´s e deixe de lado essa perplexidade delirante com a finalidade de ser notícia a qualquer custo.

A realidade deve ser exibida de forma séria, esclarecida, honesta. Muita gente sabe que a vida não é um desenho animado. Esses não caem no conto conservador, na publicidade arcaica ou na mídia enganosa que esconde dezenas de consumidores de cocaína e afins socialmente normais feito o ex-presidente Fernando Collor, que segundo o irmão Pedro, quando governador do Alagoas escondia o pó de cada dia na poltrona de seu gabinete. O ideal seria enfrentar naturalmente tais situações, como o faz a Holanda com leis práticas e política humanitária eficaz. Mas é pedir demais para um país que falta comida no estômago de milhares. Sendo assim, vivemos um jogo sujo e violento, que envolve políticos, bicheiros, a igreja e toda uma seqüência mafiosa interminável. A impressão que se tem é a de que o único que erra no Brasil é o pobre que vive nos morros, nas favelas. É o bode expiatório. Tenho uma amiga de uma certa idade que recorda os anos 50, no Copacabana Palace, com os ricos e famosos levando pequenos sacos de cocaína nos bolsos. “Tudo muito discreto, sem o horror evidenciado pelas matérias que leio hoje em dia. Com certeza muita gente boa, trabalhadora e honesta cheira pó. Essa história que os viciados são todos desajustados e bandidos é pura balela”, opina a velha senhora que prefiro não revelar o nome. E que fique claro que não defendo o uso de drogas, apenas me queixo das campanhas publicitárias moralistas e até ridículas, lembrando a Bíblia e seus mil e um milagres.

Por trás da censura e do engano, que veiculam a droga com assassinatos e até zoomorfismos, borbulham intenções sombrias dos aiatolás de plantão prontos para disparar a flecha de Aláh. Nós somos o alvo, afinal são tantos os truques que não há como escapar da injusta flechada. Na década de 80, num curso de literatura francesa, uma colega que tinha a dimensão de um armário e o cérebro pouco menor que uma azeitona, repetia feito um disco arranhado: “Morro de pena da pobrinha da Elis Regina que morreu de overdose”. Eu não sabia se era uma brincadeira ou um delírio careta, mas acredito que estava mais para a segunda opção. Na época eu escarnecia dos poderosos que enquadravam como traficante os flagrados com um cigarro de marijuana, nada fazendo para melhorar a vida de crianças jogadas nas ruas e viciadas em cola de sapateiro, acetona, benzina, esmalte de unha, éter e crack. Atualmente engulo minha indignação, já que o templo dos reacionários é praticamente imune a pedradas. Mas sei que os mais fortes têm ligações perigosas e esquisitas, vetando assim a transparência. São capazes de jurar que nunca nem ao menos cheiraram lança-perfume. A mesma embromação que a gente da classe média alta faz ao vender crianças brasileiras para europeus, esclarecendo que elas serão felizes e bem-cuidadas, quando em verdade terão seus órgãos arrancados e vendidos para laboratórios especializados.

Sigmund Freud recomendou a cocaína para várias enfermidades em 1884 e provou que todos somos vítimas da doença da civilização. Nietszche acreditava que a missão do poeta é experimentar o caos sem perder o contato com a civilização. O que não pode ser é optar pela desinformação, pelo tabu, levar ao túmulo conceitos deformados. Pelo que me diz respeito, encontro a alegria de viver no prazer que sinto em ampliar os meus conhecimentos. Para a conquista da felicidade busco acima de tudo lucidez. Portanto, não me venham enrolar com discursos ignorantes! Quero saber tim-tim-por-tim-tim sobre os vínculos do tóxico no Terceiro Mundo e até porque o sistema carcerário é tão absurdo, com celas superlotadas e sem qualquer programa social de recuperação. A vida pode ser comparada a uma pintura, se não transmitir sensibilidade e veracidade melhor dar de presente a um inimigo.

Sou um provinciano existencialista e ouso achar ridícula a ignorância oficializada no nosso país. É uma tristeza. Acatar a verdade esfarrapada sufoca qualquer sentimento virtuoso. Não há nenhum consolo em viver inseguro e acossado por falcatruas. Exijamos a nobreza das intenções.

Antonio Júnior

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