POESIA E VERDADE
Poucos brasileiros se comovem com a prática poética.
Gregório de Mattos, ao morrer, não era nada, ou quase nada
além de um bufão banido que provocava os poderosos, e Castro
Alves publicou apenas um livro em vida: Espumas Flutuantes (1870). Essa
indiferença pela criação poética não
mudou com o passar das décadas. A sociedade burguesa marginalizou
o poeta e segue marginalizando-o, e diríamos atualmente até
com mais propriedade, afinal hoje não é vergonhoso não
ser sensível ou culto, e as pessoas falam abertamente de telenovelas,
axé music e dos big brothers da vida como se algo de válido
soubessem. A miséria real de muitos artistas é indiferente
para a mídia, e é quase romântico ser poeta e não
levar nenhum dinheiro no bolso. Perdido nesta alienação está
o sofrido zé povinho, que precisa usar a criatividade para
continuar vivo, não tendo oportunidade para a beleza poética
. Afinal, num país a beira do caos econômico, onde o ofício
de catador de latinhas tornou-se uma profissão como outra qualquer,
como se pode exigir disposição intelectual e fôlego
lírico? Os catadores de latinhas podem ser uma família completa
na luta diária de coletar o maior número possível
de peças de alumínio para revenda. Como apresentar Torquato
Neto ou Hilda Hilst para tais guerreiros que vivem das sobras do lixo nosso
de cada dia? Creio que o hábito de leitura constitui o maior obstáculo
para a ascensão social no Brasil. Uma noite dessas, num jantar elegante
entre figuras ricas, notei que no apartamento do amável anfitrião
não havia biblioteca e, a seguir, morri de tédio com a conversação
sobre viagens frívolas de turismo, cirurgias plásticas, receitas
culinárias, dietas inovadoras, celebridades e a infidelidade alheia.
Todos os convidados eram jovens, bem-sucedidos profissionalmente, moderados
e educados. E também burros, insossos e robotizados. Vivemos numa
nação de raros leitores. As pessoas – e não falo dos
pobres sem notícias de Deus – não abrem um livro inteligente.
Elas sabem que livros não ajudam a conquistar dinheiro, que os escritores
estão num nível mais baixo do que os apresentadores de televisão,
os jogadores de futebol, os modelos ou os chefes religiosos. Como expandir
os neurônios num país assim? Pode-se sobreviver de poesia
nesse desprezo generalizado? Talvez na obsessão de uns poucos excêntricos.
E sem qualquer proteção, sem possibilidade de beijar o coração
dos que morrem na ignorância. Se a sociedade burguesa ou os meios
de comunicação não o fazem, o estado deveria estimular
a educação literária. Goethe está aí,
quase trezentos anos depois de nascido, e quem lembra dos prósperos
e fidalgos de sua época? Todos os países civilizados incentivam
e divulgam os seus artistas. É uma forma de arrancar o melhor que
há dentro de cada um de nós. Acorda Brasil.
Antonio Júnior
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