Poliana amedrontada

    Graças a aguerridos pesquisadores estrangeiros, descobrimos que na Febem os responsáveis pela "instrução" costumam submeter os internos a um variado cardápio de torturas, inclusive de caráter sexual (sem camisinha?). Então é verdade, isso não acontece apenas nas catacumbas paquistanesas.

    Todos acreditávamos piamente que, em nossos excelentes centros de reabilitação, os garotos recebessem aulas de geografia, dietas modernas e atividades físicas adequadas às suas índoles (basquete para o batedor de carteira, natação para o funcionário do tráfico, futebol para o homicida), após avaliações rigorosas de uma junta especializada.

    Reportagens denunciam a participação de policiais em seqüestros, assaltos a coletivos, narcotráfico, roubo de cargas, fugas de presos perigosos e extermínio de outros sob a declarada proteção do governador. Pois sequer a segurança pública, orgulho nacional, está preservada? Cai um mito!

    Diante da onipotência do banditismo sanguinário – a ponto de alguns celenterados pedirem a intervenção das Forças Armadas –, esperávamos realmente que o fim do Serviço Nacional de Informação fosse originar uma agência transparente, estratégica e submetida ao Congresso, no bojo do triunfo democrático globalizado. Lemos, entretanto, que o Exército mantém as técnicas de espionagem da ditadura, vigiando a UNE, o MST e o PT através de arapongas disfarçados de jornalistas (que ironia) e ensinados a tratar movimentos sociais como "forças adversas". É mesmo um choque.

    A crônica estrebucha porque certo trabalhador foi preso, apanhou uma semana para assinar a confissão, denunciou os maus servidores às autoridades e, meia hora depois, morreu com doze tiros, na porta de casa. Oh, a cidadania ameaçada!

    Repetimos as mesmas barbaridades há anos, forjando essa surpresa ridiculamente gasta e o horrorizado "até quando?" típico de interesses temerários. Para tudo voltar ao normal no dia seguinte, basta que o cinismo estatal nos console a dolorosa sobrevivência.

    E novamente lamentamos massacres de agricultores, assassinato de crianças após mutilação dos genitais e estupro, juizes federais vendendo sentenças e outras micoses no calcanhar do sistema. Tudo não passa de notícia. Ao final da lauda, ninguém dá a mínima.

    Resta uma dúvida: preferimos ser ingênuos ou hipócritas?

Guilherme Scalzilli

Publicado na Revista Caros Amigos, fevereiro de 2002, e enviado pelo autor.

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