Pra entender melhor Brizola e o Brasil, um filme ajuda muito. É de Glauber Rocha, “Terra em transe”. Também o documentário “Jango”, de Silvio Tendler.
É preciso olhar bem pra vida e obra de Oscar Niemeyer, pros discos de Beth Carvalho, com a música e arquitetura ajudando a identificar que país é este, herança de cinco séculos de capitanias hereditárias, latifúndios, coronéis civis e militares.
Pra entender melhor Brizola e o Brasil, é preciso reler tudo ou quase tudo de Darcy Ribeiro e nunca quase nada.
(Eram cinco irmãos menores, garotinhos, aprendendo a ler em livro único. Um livro pra cinco. Um deles era Itagiba, depois registrado novamento como Leonel, predestinado a fazer com que a política brasileira fosse dividida no antes e depois dele. A partir de agora, é rezar pra que essa divisão em atos não se transforme numa tragédia grega ou na reunião de toda a dramaturgia de Shakespeare em tons de século 21 tendo o Palácio do Planalto como pesado background).
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A minha geração é a mesma de Manfredo Caldas, José Nêumanne, Walter Carvalho, Fernando Azevedo, Marcus Vinícius, Marcos Tavares, Sérgio de Castro Pinto... Tantos e tantos outros. Não nos falamos ainda sobre a noite de ontem, nem pessoalmente, por email ou telefone, até o momento em que, sem negar a emoção (por que não a paixão pelas grandes causas?), escrevo esta coluna. Até porque estamos espalhados por Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Paraíba, por este Brasil que Brizola amou intensamente em cada minuto, gesto, discurso.
A nossa geração — mesmo discordando aqui ou ali de algum passo de Brizola — amanheceu não ligeiramente, mas profundanovamente órfã. De novo, porque já somos órfãos de Guevara, John Lennon, Glauber Rocha...
Li, logo cedo, o boletim que o jornalista Rui Martins manda diariamente da Suíça. Ele termina assim: “Estive com Brizola em Lisboa e Paris, durante seu exílio. Fui mesmo o primeiro a anunciar seu retorno ao Brasil, pela Excelsior de São Paulo, hoje CBN. Meu último encontro com Brizola foi em Genebra, que, na época, estava com Garotinho e Rosinha. Almoçamos juntos, perguntei para ele como fazia para manter tanta saúde e dinamismo, apesar da idade. Me surpreendeu ao se lembrar de uma discussão que tive com outro jornalista, pouco antes de uma sua entrevista, em Paris, nos anos 70. Boa memória, lúcido, teria sido sem dúvida o presidente que o Brasil precisava e que nunca teve”.
Rui bate numa tecla que mexe muito com a gente: “o presidente que o Brasil precisava e que nunca teve”. Realmente, erramos naquela disputa presidencial em que Collor e Lula foram pro segundo turno. Se a disputa tivesse sido entre Collor e Brizola, “Jornal Nacional” nenhum tiraria a vitória do “socialista moreno”. Brizola jamais teria se intimidado com uma pasta fechada carregada por Collor, que, por sua vez, não teria condições suficientes de enfrentar o homem que em 1961 comandou a cadeia da legalidade. Edição nenhuma da TV Globo tiraria a vitória de Brizola, nas circunstâncias da época.
Mas, a história não comporta o “se”.
A realidade foi (e é) outra. Vivemos o Brasil das concessões, do ajeita-aqui-ajeita-ali. O mínimo agora não é o salário, mas aprofundar a lição que Brizola deu ao Brasil.