Lendo Os Lusíadas com prazer

“O prazer do texto é esse momento em que meu corpo vai seguir suas próprias idéias – pois meu corpo não tem as mesmas idéias que eu”. Roland Barthes.

Há uma corrente cada vez maior de intelectuais, estudiosos da nossa literatura que não se cansam de afirmar que a Literatura Brasileira teve seu início com Os Lusíadas. Alguns professores, das mais diversas Universidades brasileiras, inclusive dentro da UFRN, defendem que a literatura não tem fronteiras geográficas, espaço ou tempo. Diante dessa afirmativa, é possível afirmar que o livro de Camões é a obra mais importante da Literatura Brasileira.

A importância da obra se estende por cinco séculos, encantando gerações de leitores, ávidos por conhecimento. No livro é possível conhecer toda a história do povo português através de uma narrativa poética, forma usada pelos grandes mestres da literatura universal como Homero, Dante, Virgílio, dentro outro cânones. Em Camões, há muito que estudar, muito que aprender. Primeiro, a forma; os cantos, os versos, a rima, a métrica. Depois, o contexto, a história. Dezenas de histórias do povo português que n`Os Lusíadas se conta e canta! Como não nos emocionarmos com a triste história de Inês de Castro?

De acordo com o escritor Ítalo Calvino, os livros clássicos são aqueles que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-lo. Na obra de Camões podemos encontrar alguns pontos importantes de degustação textual.

O estilo épico utilizado tem um certo conteúdo próprio (devido a utilização de perífrases, comparações, hipérboles, latinismos, etc...). A ação com que o poeta se ocupa, divide-se em dois mundos: o mundo material, que abrange os grandes fenômenos mundiais, e o mundo moral, que reúne os estados psicológicos das personagens participantes na ação.

O dinamismo aparente na obra camoniana reside nas dificuldades e obstáculos que os portugueses têm de superar e nas rivalidades que Vênus, protetora dos portugueses, opõe a Baco, inimigo dos lusitanos. Dessa intriga resultam os obstáculos para os portugueses, pois Baco, disfarçado, encontra uma forma de lançar desconfianças e levar os deuses marítimos a desencadearem tempestades. Por outro lado, Vênus, com o auxílio de Júpiter, tenta ajudá-los, servindo-se de ninfas para acalmar os deuses do mar e fazer com que estes diminuam suas ondas.

Os deuses, tal como os homens, choram, amam, desejam, lutam, ou seja, parecem ser de carne e osso. Nesta epopéia, tudo acontece como se fosse os deuses a ter poder sobre todas as forças que movimentam o mundo. No entanto, a ficção mitológica dissolve-se um pouco no desenlace da epopéia com o aparecimento de deuses católicos, criando um sincretismo para agradar a Santa Inquisição do catolicismo.

É necessário ler Os Lusíadas várias vezes para entender sua complexa narrativa, descrevendo as aventuras do heróis português, Vasco da Gama, que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa cultura e, atrás de si, os traços que deixaram nas culturas que atravessaram – ou mais simplesmente na linguagem e nos costumes.

Para entender melhor a obra camoniana, é imprescindível um pré-requisito: ter lido alguns clássicos escritos antes d`Os Lusíadas. Esse conselho é visto nos textos de Calvino quando ele afirma: “Isso vale tanto para os clássicos quanto aos modernos. Se leio a Odisséia, leio textos de Homero, mas não posso esquecer que tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações”.

Os Lusíadas se torna ainda mais importante por um dos aspectos em que a Universidade se dispensa de educar e de reforçar valores literários muito importantes, principalmente para alguns alunos do curso de Letras, os quais aprendem a gostar da obra de Camões por uma “imposição acadêmica” – configurando uma obrigação necessária para o enriquecimento intelectual de qualquer graduando.

Não seria nenhum exagero e não causaria espanto à ninguém se perguntarmos a um aluno, daqui a dois ou três anos, se gostou de ler Os Lusíadas e o que aprendeu com isso, não se admire caro leitor, se ele responder, com um encolher de ombros: “Sei lá!”

Alexandro Gurgel

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