A polêmica do Guggenheim

Luiz Fernando Dias Duarte 
Professor do Museu Nacional- UFRJ

    As metrópoles modernas competem pelos preciosos recursos econômicos circulantes no mundo globalizado através de grandes projetos de interesse cultural. Isso lhes garante também um reforço das estruturas educacionais locais e produz efeitos benéficos gerais sobre a vida urbana.
    As cidades que já dispõem de uma estrutura cultural razoável começam esses empreendimentos pela otimização das instituições já existentes — o que garante uma mais rápida execução do projeto e uma integração maior na renovação com a própria identidade e tradição locais. Garantido esse patamar mínimo de qualidade e eficiência, partem então para novos empreendimentos. É apenas nos casos — mais raros — de não haver uma estrutura local suficientemente interessante que se parte diretamente para grandes projetos de caráter inteiramente exógeno, como é o caso recente e sempre citado de Bilbao.
    O Rio de Janeiro dispõe de uma fascinante série de instituições fortemente enraizadas na tradição cultural brasileira e íntimas parceiras da identidade carioca. Todas sofrem de graves embaraços institucionais, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Na maior parte dos casos, trata-se, sobretudo, da falta de investimentos estruturais, volumosos na escala nacional, que não têm podido ser atendidos desde que se acentuou a crise financeira do Estado brasileiro. Há belos prédios históricos, magníficas coleções, pessoal técnico competente — não há recursos para a renovação dos prédios, para a conservação das peças ou para a consecução de projetos museográficos modernos, atraentes, eficientes.
    Desde que se teve notícia do projeto de compra de um Museu Guggenheim para o Rio de Janeiro, levantou-se a inquietação geral com uma estratégia tão insensata de desenvolvimento cultural e urbano. A preocupação transformou-se em raiva ao tomar-se conhecimento das condições do empreendimento, de sua inadequação técnica e de seu vergonhoso colonialismo econômico e cultural. Felizmente, algumas vozes tecnicamente qualificadas se fizeram ouvir e alguns parlamentares agiram com presteza na defesa do erário e da sensatez pública.
    Barrar essa vergonha não é, porém, suficiente. Seria também necessário saber porque a prefeitura de nossa cidade não participa do desafiador empreendimento de sustentação das grandes instituições culturais da cidade que administra quando se jacta de ter recursos tão volumosos que seriam capazes de sustentar a faraônica feitoria norte-americana que se quer fazer ancorar no velho porto.
    Nosso Museu Nacional aí está, pateticamente arruinado, lutando há anos pelos recursos necessários para recompor a estrutura do Palácio de São Cristóvão, para garantir a qualidade de suas imensas coleções antropológicas e naturalísticas e para voltar a oferecer ao público as exposições brilhantes e estimulantes que chegou a ter em tempos idos. Há todos os projetos necessários para tanto, há gente competente para efetivá-los; há uma reiterada inconsciência e resistência dos governantes em contribuir para que o sonho se torne realidade.

Fonte: http://olharvirtual.ufrj.br/olhonoolho.htm
Enviado por Henrique Cairus, através de cirulação na lista PG Clássicas

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