Alexandre, o GRANDE

        Ele nasceu no mês do Leão, e como todo filho do SOL, predestinado a um brilho que só se extinguiria com sua morte. Cresceu em meio a imensos desafios até hoje atravessados por homens adolescentes de todo o mundo e de qualquer cultura. Homossexual ou não.

        Alexandre foi uma criança sensível e extraordináriamente precoce. Percebia seu mundo e entendia suas mudanças. Sofria e amava na mesma proporção de seu ódio e mágoa. Viveu em meio a uma grande batalha familiar até que pudesse tomar as rédeas de sua própria vida, e tentar ser feliz a desmando de suas confusões familiares. Vivia entre a admiração e o desejo de ser como pai, e o ódio e o desejo de vingança da mãe. Foi oprimido, discriminado, traído, magoado, humilhado e muitas vezes certamente teve vontade de retribuir cada ato de injustiça.

       Mas foi EDUCADO. Alexandre teve como seu preceptor o sábio Aristóteles, que já trazia em si décadas de vida e contradições próprias dos filósofos, mas que é o fermento ideal pra fazer crescer uma alma grande. Alexandre absorveu muito deste pensador, mas admiravelmente soube separar o Joio do Trigo. Aprendeu muito cedo o preço de SER DIFERENTE, e se refugiou no AMOR e na AMIZADE como forma de dar vazão e expressão aos seus mais nobres valores. Descobriu em Hefestion uma identificação própria que seria fundamental em sua vida de HOMEM adulto. Com o velho descobriu o valor da experiência, da estrada e plagiando Miguel de Cervantes, aprendeu que três coisas fazem os homens discretos: Letras, Idade e caminho. Com o menino aprendeu a inocência e se agarrou a ela como única salvação para sua alma condenada a ser REI, e como tal destinado a crueldade e solidão. E desde então percebeu que a PRECEDÊNCIA é um valor universal, uma Lei universal.

        Aristóteles o ensinou a sentir filosofia, música, geometria, estratégia, artes, e percebeu que o mundo em suas enormes diferenças é conduzido por princípios filosóficos universais, independente de raça, religião, geografia, sangue...

   A filosofia libertou Alexandre do destino ser FELIPE, e permitiu que fosse Alexandre, o GRANDE;

        Em meio a tanto ódio, barbárie e briga pelo poder, Alexandre conseguia sentir como criança e pensar como Rei, e aos dezesseis anos agir como cabe a um HOMEM em sua posição. Enfrentou a insegurança do Pai quanto a sua partenidade e a IRA da mãe em relação ao seu amor pelo PAI; Soube se colocar humilde pra se fazer grande. E aprendeu desde cedo que existe o "Poder de domar do GRANDE, e o poder de domar do PEQUENO";  E foi ainda adolescente que travou sua mais difícil batalha. Diante de olhos destemidos e incrédulos, domou Bucéfalo, para espanto e admiração do seu pai Felipe, e pela primeira vez enxergou nos olhos do pai, orgulho e admiração e pela primeira vez se sentiu o valor da PERTINÊNCIA. Alí Alexandre teve a experiência que levaria para toda a sua vida, como meta e princípio; Ali Alexandre aprendeu que amar tem desafios e que se enfretados devidamente, vencem as batalhas do preconceito, da mágoa, do ressentimento e da dúvida.

       Ali Alexandre mostrou a Felipe que mais que filho do Sol, para ele era muito mais importante ser filho de FELIPE, e ser apenas Alexandre. Ali ele descobriu que ser aceito, respeitado, amado é um desejo muito mais visceral e profundo e que não podemos nem devemos controlá-lo com a mente, é impossível.

       Ali Olímpia se rejubilou por honrar seu espaço de mulher, trazendo a vida a um REI. A crueldade e vingança levaria FELIPE bem cedo e fazia de Alexandre um REI. A Macedônia então um reino bárbaro se transformou em uma nação poderosa e farol para uma grande transformação continental, do qual o mundo jamais se recuperaria.  Seu amor pela mãe o levou pra longe dela, mas o aproximou de si mesmo. E como HOMEM Alexandre mostrou que a vida se sobrepoe as pequenas disputas, e que a grandeza da alma não cabia em pequenos espaços...

        Mas diante de tanta aridez e dificuldades. Alexandre não se esqueceu de AMAR e o fez tão intensamente que nele se libertou e se encontrou. Nele conseguiu um caminho para ser HOMEM independente de sua orientação e desejo. Aprendeu que a política cotidiana e nossas pequenas batalhas pelo poder nada tem a ver com o amor e que o fogo que forja o poder é o DESEJO, que senão bem regulado e domado pelo amor, vira obsessão.

        Alexandre foi sábio em discernir os extremos deste sentimento e superou seus conflitos na entrega a um amor, que na época era permitido. Alexandre e Hefestion deram ao mundo um modelo de relacionamento que transcendeu aos limites daquela época e quem dirá de nossos fragmentados e medíocres tempos. Amaram um ao outro e não Amaram a Si no OUTRO. Alexandre foi HOMEM de coragem pra se entregar a um amor que o enfraquecia diante dos OUTROS. Venceu a influência perversa e poderosa da MÃE, para descobrir-se no colo de Hefestion, que o levou pela vida com a mesma sabedoria e lealdade ao sentimento que recebera.

         A vida destes dois está modela o sentimento de ser HOMEM em se encontrar em si mesmo, amando, sem se perder no OUTRO.  Prova o fato de que `não estamos livres dos arquétipos ainda que sejamos homossexuais, porque antes de qualquer coisa somos HOMENS;

         Hefestion e Alexandre demonstram que a complementação do FEMININO é o motor de uma vida amorosa e íntegra, e a integridade histórica e intelectual do filme demonstra de forma inenarrável e com absoluta beleza. E neste amor, neste refúgio ele descobriu o valor da ESTËTICA, do BELO;

        Alexandre foi cruel, tirano, ditador, destemido, corajoso, impulsivo, violento e acima de tudo, humano. Mas manteve o AMOR próximo de seus olhos. E se deixou regular por ele, e foi nele que se refugiou quando precisou de colo. De segurança.

        Foi nos momentos em que Hefestion se calava, por saber que naquele momento só o SILÊNCIO era importante, que o recebeu com carinho e honrou seu lugar de REI e de HOMEM quando Alexandre decidiu tomar Roxana por princesa, foi no momento em que se afastou por perceber que aquele momento Alexandre deveria estar só, apesar de seu incontrolável desejo de esta junto a ele, e no momento em que o chamou a razão quando quase tudo estava perdido. Quando consolou, sorriu, recebeu, afagou e se permitiu em Alexandre, que Hefestion demonstrou que o amor vai além de qualquer desejo conhecido, e que a política se separada do sentimento pode trazer luz a muitas confusões. Beijos e abraços e sexo, são manifestações do desejo mas estão longe de poder representar o Amor em sua grandeza e plenitude.

         Foi um amor sem apego, sem posse, sem COM-FUSÃO. Foi um amor com respeito a PRECEDÊNCIA, a HIERARQUIA, a PERTINÊNCIA e a LEALDADE deste sentimento que transcende a cultura e políticas contenporâneas e só leva em conta os princípios filosóficos universais e as leis que regem esta simetria oculta do AMOR;

        Alexandre e Hefestion tiveram medo, ciúmes, raiva e indecisão. Travaram longas batalhas mas não permitiram que a distância e o DESEJO fossem o motor que move a sua história. E alimentaram a cada dia este sentimento. A cumplicidade, intimidade, discernimento e sensibilidade são fatores que se adquire com o tempo, e sem ele não existe...

       Kronos é senhor absoluto da manutenção do Amor, ainda que não determine sua intensidade nem seu destino. Mas é Kairós quem acende a chama, e faz a gente confundir DESEJO, PAIXÃO e Amor.

         Alexandre e Hefestion foram Alexandre amando Hefestion e Hefestion amando Alexandre, não Alexandre amando Alexandre em Hefestion e vice versa. E esta integridade garantiu uma parceria gratificante, plena e satisfatória.

        Mas mesmo o GRANDE Alexandre, não ficou livre de arquétipos, e sucumbiu muitas vezes a eles. Sofreu com Ëdipo, Elektra e Medéias. Dançou junto ao túmulo de Aquiles mitificando seu ancestral. Se entregou a um DEUS e acreditou nele, e orava, mesmo quando chorava.

        Odiou sua mãe e teve coragem de reconhecer isto. Misturou raças acreditando e sendo incoerente com  a própria educação que recebeu. Soube absorver o melhor do Helenismo sem se deixar limitar por ele e reconheceu a Precedência e o direito a Pertinência de outras culturas.

         Se entregou as necessidades eróticas mas não se perdeu nelas. E respeitou o lugar de Hefestion em sua vida, valorizando acima de qualquer outro.

        Alexandre mostra com sua brilhante história quão humano todos somos, ainda que em posições quase míticas, quase divinas. Não importa quanto poder ou posição as paixões e desejos são os mesmos.Os medos inclusive.

        Foi adolescente incompreendido, sofreu a usurpação de sua identidade pela precocidade, mas AMOU e isto o salvou da barbárie em que morreu seu pai FELIPE; Alexandre honrou seu pai e sua mãe, ao fazer de sua vida algo grande e bom, diferente do eterno combate de ódio e ressentimentos em que se entregaram Felipe e Olímpia.

        Alexandre foi Grande, por ser absolutamente humano, por amar como qualquer um de nós, e não abrir mão de seu amor, nem poder, nem por dinheiro, nem por política.

        Quizá se pudermos aprender um pouco com estes importantes ancestrais que souberam tão impressionamentemente a respeitar as leis universais desta força que rege o universo chamada AMOR;

        Quizá se ao invés de fragmentarmos cada vez mais nossas identificações apenas assumíssemos nosso amor, nos entregarmos sem nos perder nesta batalha ?

        Quizá um dia não nos importemos mais com os sorrisos nervosos dos mediócres que escondem atrás do sorriso do palhaço suas próprias dificuldades de amar  ?

       Diante de tão belo espetáculo de amor  e virtude, digo sinceramente e bastante feliz que não tive condições de prestar atenção no público infeliz que produzia tamanho desrespeito por esta obra, pois estava muito ocupado em tentar aprender a amar deste jeito.

      E que se um dia meu MASCULINO se encontrar no FEMININO e se tornar UM como fizeram Hefestion e Alexandre, acho que já estaria dando um enorme passo pra felicidade e realização, independente da política e da mediocridade alheia.

       Alexandre, o Grande, é uma história de amor, de HOMEM que ousou fazer diferença em sua vida, e fez dela algo exclusivamente seu, ao invés de repetir modelos anteriores e ancestrais.

       Alexandre, é GRANDE, é MAGNO porque fez o que quase ninguém tem coragem de fazer; SER HOMEM EM SUA PLENITUDE...

        Quem sabe o FAROL DE ALEXANDRIA não seria apenas uma metáfora de que é necessário uma LUZ que nos guia rumo a um PORTO SEGURO, onde corremos pra nos fortalecermos e seguir combantendo ?

         Será que conseguiremos um dia dar continuidade de onde parou Aristóteles, Alexandre e Ptolomeu ?

        Estive em Alexandria e ali até hoje se respira um ar diferente do resto do Egito, e tive a leve impressão de estar numa cena onde o tempo não importava e que ISKANDER como a chamavam os persas era apenas uma metáfora de um ideal ainda nem percebido por nós...

        E confesso a todos, este Alexandre é um dos meus ídolos....

 

        Gostaria de, por último, colocar uma pergunta para reflexão:

        Será que eu seria capaz de amar tanto ao meu parceiro  a ponto de honrar seu lugar de HOMEM e permitir que ele se deite com uma mulher (mesmo que sem desejo) para gerar um filho ?

        Será que serei tão seguro de meu amor que me permito ser eu mesmo com meu parceiro mesmo com medo da perda ?

        Será que corremos este risco tão grande ?

Alex Ribeiro

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