Adão Ventura, Wagner Torres e Aroldo Pereira
Adão Ventura
Estalo, a revista, de homenagear-te, mesmo in memoriam, cumpre destinação. Luiz Lyrio lembra que ia colocar-te em um dos números anteriores à tua morte , o que decerto foi adiado porque te julgávamos eterno. Como ícone, o és, decerto... Quando fomos, Wilmar Silva, Marina Silva Santos, Lyrio e eu, a Ribeirão das Neves, ainda chamada ANEL (hoje ANELCA: Academia Nevense de Letras, Ciência e Arte), a convite de seu presidente, Mauro, para eu fazer uma palestra, era também dia de homenagear-te. Estava lá teu mano e ficamos a relembrar-te. Teus versos estavam escritos atrás de nós, em um quadro. Nossa voz se fez tua voz, ao declamar-te. Estivemos impregnados de ti e eu lembrava o que de ti, lia, no Suplemento Literário do Minas Gerais e o último retrato que vi teu, a cores, impresso em Cantárida a linda coletânea que ganhei do editor Wagner Torres. Adão, Adm, nome do primevo ser humano, morres cedo, com 58 anos, sais da prateada pupa, asas novinhas e coloridas - vives sempiterno, sempre terno, mesmo quando falas da cor da pele, e suas dores terrenas, se sabemos que
“TODO SANGUE É VERMELHO
TODA ALMA É QUALQUER COR ,”
como digo num poemeto publicado na Comercial de Juiz de Fora, em minha página literária, nos Anos 60/70. Qualquer dia, irei ao meu baú de pau-d' angola e em encontrando o recorte, publicarei na íntegra.
Adão, vivente, veio conhecer este mundo em Santo Antonio do Itambé, cidadezinha próxima a Serro. Mineirim, sim, conhecido, sim, destas bandas e pelo mundão a fora. Vaidoso, não: era um contentamento de sua representação de raça, a que neste número homenageamos, de seu verbo ferido, grito. Tímido, abrindo a guarda para os mais chegados apenas. Assim rememoram-te os amigos. Sua verve é pluridirecionada, mas os cantos onde canta pela raça negra, são por certo, de maiores consonâncias e ecos :
Adão Ventura
Das Biografias — Um
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis .
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Adão Ventura
Para um Negro
para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.
para um negro
a cor da pele
é uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração.
Wagner Torres
Veio de conhecer-me um certo Wagner, poeta e editor, dono da Plurarts. A memória não me traz o como. Sei que expressei-lhe meu desejo de editar e meus parcos recursos para tal. Após o Plano Collor, aqueles farrapos de mágoas e dinheiro a impedir a consumação dos sonhos. Ele foi firme. Editaria. Entregaria aos poucos, aos poucos eu pagaria. Assim foi feito. Lembro um dia em que ele precisava de grana, eu tinha e fazia um curso em sala do CRP. Pedi que lá fosse. Ele chegou com exemplares e levou um cheque. Sorteei uns volumes e muitos presentes se irritaram. Queriam que todos ganhassem. Toda vez que publicamos, alguém nos diz sorridente: ”– Quero ganhar um, hem ?”. Quase que se espantam de ter de pagar. No Brasil, escritor independente endivida-se para editar. É preciso que alguém nos compre, por certo ...
Depois, o Wagner, que no prefácio de meu “ Sombras Feitas de Luz ”, disse-me um “ ser de luz ”, deixando-me a pensar ser uma espécie de Clara Nunes da Poesia”, foi com Rogério e eu à PUC de Betim, onde os estudantes de Letras organizaram o “ Poesia em Cores Vivas ” e, na mesa, falamos de todos os primórdios de nossa trajetória, passando pela editora Fundo de Quintal , que marcou época e eles criaram junto a um grupo de sonhadores, Wagner ainda militando para editar autores vários, com especial carinho para poetas.
Mais tarde , participamos, Wagner e eu do momento chamado “Vestígios ”, a nona “ Semana de Comunicação ” da PUC do Coração Eucarístico, aqui em Bh, onde falamos dos Anos de Chumbo, com pessoas dos Direitos Humanos e uma policial militar. À noite, nos reuníamos a um grupo de estudantes para fazer acontecer a Ophicina Desiderata, um projeto meu que desenvolvi com Wagner. Poesia & Psicologia, uma alegria estar com poetas jovens, interessados em nos conhecer. Fiz sonho dirigido, após colocar a turma em estado alma, e após abrir comportas da alma, eles escreviam seus versos, sob nosso amoroso olhar.
Wagner edita todos os anos a coletânea do Psiu Poético, referente ao Salão Nacional de Poesia de mesmo nome, que o Aroldo Pereira organiza todos anos em Montes Claros (o Guiness dirá que é o único evento contínuo, de Poesia, por quase vinte anos )...
Editou de sua autoria: SONHOS (83/84), ”Quando a madrugada se despe em Poesia” (1987),”Papoulas Caboclas sobre Águas Virgens” (1989). Em 1991, é o organizador de uma coleção que reúne autores mineiros (Antologia de Autores Mineiros-Categoria contos “ FLOR DE VIDRO ”, numa homenagem a Murilo Rubião (quase cinqüenta autores, entre os quais, Márcio Almeida, Elias José, Olavo Romano, Oswaldo França Júnior, Antonio Barreto, Branca de Paula, Jaime Prado Gouvêa, Luiz Vilela, Roberto Drummond, Wander Pirolli, Maria de Lourdes Reis, enfim, uma façanha !). ”Signopse - A Poesia na Virada do Século”, 1995, coletânea que reúne também grandes nomes, como o nosso saudoso Adão Ventura e outros, como o jornalista e fotógrafo, coordenador do Curso de jornalismo da PUC de Arcos, João Evangelista Rodrigues, Aroldo Pereira, Márcio Almeida, Hugo Pontes. Segue um poema de Wagner Torres, cujo estilo enxuto remete do sintético à plenitude:
FRUTO POÉTICO
Brotam na mente dos sábios
Um mergulho suave
Penetrante nos mares
Mais calmos
Sangram mel,
Na colméia do povo
A argamassa de meu pensamento
Faz exilar o mau da semente.
(in “ sonhos ”)
E o conhecido (que faz alguns chorarem, quando lhes declamam os versos):
DEVANEIOS
Ousaram dizer
Que fomos libertos
Por uma lei áurea
Assinada por punho de ouro
Ousaram dizer
Que os devaneios
De uma carta magna
Vagam nos sertões , arraiais,
Favelas e presídios
De nossa era
Ousaram dizer:
Agora é nossa vez.
As veredas mapeiam
Solidão e inércia,
Mas ferem o coração
Nascente
Do acalanto
(In “ Papoulas Caboclas Sobre Águas Virgens ”)
Aroldo Pereira
E agora, de Aroldo Pereira, amigo de poetas mil, que admiro sem conhecer :
“A poesia incomoda a muita gente. Inclusive aos que se arvoram de serem donos; tomarem posse, ou serem amantes obsessivos da dita-cuja. Ela é uma arte vã, e nisso está sua grandeza. Não quer dizer nada e por isso diz tudo.
Tá todo mundo se lixando pro poeta, mas ele pega os resíduos da humanidade e transforma tudo em um nada lindo.
Só umas pessoas malucas como um Ferreira Gullar, uma Adélia Prado, um Augusto de Campos, têm humildade, arrogância e criatividade o bastante para transformar merda em ouro ” (...)
(In Vozes do Psiu Poético, volume II, 2000, “ final de século ”)
Aroldo gosta de metapoesia, de poesia social, de poesiapura:
Quero 1 verso
Q possibilite
q o salto
não seja
mais sedutor
q o poema
Aroldo Pereira, in XV Vozes do Psiu Poético, “A Poética do Olhar ”, Plurarts editora)
Livros publicados: ”Canto de Encantar Serpente ”, Azul geral ”, ”Hai kai Quem Quer”, ”Doces Pérolas Púrpura”, Amor Inventado”, “ Cinema Bumerangue”, “Pangolivro”. Participa de antologias de poesias. É ex-vocalista de banda (“Ataque cardíaco”), nascido em Coração de Jesus, há muito radicado em Montes Claros, MG. Inventor e mantenedor do encontro nacional “ Psiu Poético”, claro.
Clevane Pessoa
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(*) Texto desta segunda parte foi incluído no vestibular de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira 2005 da UFRJ
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