Resgate do papel da escola: que os litros sejam substituídos por livros
Como na semana pedagógica, que ocorreu entre 21 e 23 de julho, nas escolas estaduais do Paraná, houve a oportunidade de reflexões coletivas, destacamos, entre estas reflexões, o resgate do papel da escola, bastante deturpada, principalmente devido a iniciativas que remetem a escola a um local de assistencialismo, condicionando crianças, já em seus primeiros meses, a esta concepção.
Em que nos baseamos, nesta nossa reflexão? Em especial ao Projeto “Leite das Crianças”. Conforme temos ciência, o projeto é resultado da parceria entre as secretarias do Trabalho e Ação Social, Agricultura e Saúde, assim como, da Educação. Com esta parceria, decidiu-se doar um litro de leite, por dia, a famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa e que tenham crianças entre três meses e seis anos de idade. Foi determinado, sem consulta aos trabalhadores da Educação, que a doação destes litros de leite ocorreria nas escolas estaduais, que é de conhecimento de toda a sociedade que apresentam deficiência de número de funcionários e espaço físico.
Como a construção de uma escola pública de qualidade é coletiva e constante, partindo de reflexões, que levem a novas ações, mais aperfeiçoadas e que não deturpem a sua verdadeira função, questionamos o seguinte:
a) Se o papel da escola, conforme o próprio documento fornecido pela Secretaria de Estado da Educação para o III Encontro Descentralizado das Escolas de Ensino Fundamental, do qual participamos, é o de ensinar, de assegurar a reapropriação do conhecimento, objetivado a construção da cidadania, da promoção social, por que a escola é usada como doadora de leite? As próprias religiões nos ensinam que não devemos, constantemente, “dar o peixe”, mas “ensinar a pescar”. Porém, se a escola é usada para doações a crianças entre três meses e seis anos de idade, por que não são doados livros a seus pais, orientando-os na criação das mesmas e estimulando-as a gostar de ler histórias, preparando-as para a vida escolar? O papel da família também deve ser resgatado. Poderiam, ainda, ser doados (ou emprestados) livros aos pais, explicando, de modo simples, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Caso alguns pais sejam analfabetos, poderiam ser encaminhados a palestras, assim como, cursos de ! EJA, ampliando o exercício de sua cidadania. Ou seja, que se troquem os litros por livros.
b) Se a doação do leite contempla crianças entre três meses e seis anos, faixa etária que nossas escolas estaduais não abrangem, e sim as creches, por que o leite não é doado nas creches, postos de saúde, ou instituições voltadas ao assistencialismo? Lembramos que o projeto denomina-se “Leite das Crianças” e não “Leite dos Estudantes”.
c) Visto que a Cantina Escolar mudou, objetivando o consumo de alimentos saudáveis, que visam auxiliar no aproveitamento escolar, por que os pacotes de leite que estão sendo encaminhados às escolas, e que não estão beneficiando os estudantes, não passam a ser empregados na merenda escolar?
d) Outra reflexão importantíssima: o cotidiano escolar não envolve apenas alunos, mas também, professores e funcionários. Por que a merenda escolar não se estende aos funcionários e professores, que pagam impostos e estão financiando esta merenda? Muitos de nós se deslocam de uma escola a outra, de ônibus, e não temos tempo de ingerirmos alimentos saudáveis, trabalhando, muitas vezes, com fome. Também há o caso de funcionários nossos que, após o trabalho, dirigem-se a escolas de EJA, onde não há merenda nem cantina, estudando com fome. Por que o funcionário que prepara e serve a merenda aos alunos, após participar de seu financiamento, através do pagamento de impostos, não pode usufruía-la, trabalhando com fome , e deslocando-se a escolas noturnas (e assistindo às aulas, com fome, pois as escolas que ofertam a EJA, mais procuradas pelos nossos funcionários, não oferecem a merenda), para prestar um serviço mais eficiente às escolas públicas do Paraná?
Diante do exposto, esperamos que seja repensada a função da escola e que, brevemente, esta função seja respeitada, envidando-se ações que resgatem a sua verdadeira concepção e exercício desta função, assim como, o respeito da sociedade.
Josete Maria Vichineski
Especialista em Língua Portuguesa e em Educação de Jovens e Adultos
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