COLIBRI DEFLORA OS CHATS, DE URHACY FAUSTINO, EDITORA BLOCOS
Gosto de concorrer pelo frisson da espera. Quando sei de um concurso qualquer, aviso os escribas de plantão, divulgo. Há quem esconda regulamentos, com medo da concorrência, o que tem lá suas razões, como as de quem faz um vestibular ou pleiteia uma vaga de emprego: escondem o leite, as garras, o rabo-de-gato... Mas parto do princípio de que um texto (desde, claro, que a premiação não esteja "marcada"), para agradar ao número exato de membros de júri precisa ser bem escrito, original etc., e corresponder ao gosto pessoal deles. Pode ser ótimo texto e não lograr êxito...
Há uns tempos atrás, decidi mandar uma frase para Blocos On Line, sobre esse conhecido chão de estrelas, site que a Leila Miccolis, com sua afiada percepção poética e social, faz com o Urhacy Faustino. Mesmo depois de enviar a frase, divulguei bastante esse concurso permanente. Brinquei com a Leila, que o fazia, mesmo que isso diminuísse minhas chances. Ela preencheu-me a alma com o glitter do elogio: respondeu que a minha brilhava entre as demais daquela quinzena... Bem: escritor, por considerar os escritos seus filhotes, tem dessas corujices. Fiquei feliz. Por uma simples declaração sobre Blocos, um contentamento a mais: isso vale muito... rsss
O prêmio é um livro, que se pode escolher na vitrine do site. Por não conhecer o Urhacy, pedi "Colibri deflora os Chats", da Editora Blocos... (Urha é um moço paulista, também autor de literatura infanto-juvenil, faz versos e, à época da edição, trabalhava no painel "O Exército de Joaninhas - da Policromia ao Albinismo" — confesso-me curiosíssima a rspeito do que vem a ser esse trabalho). Leila achou um exemplar no estoque. Eu adoro receber livros, e quando esse chegou, não foi diferente. A capa, de Vander Coutinho, moderna e de acordo com a temática, agradou-me: azul marinho. Repete uma página virtual. À direita, no canto abaixo, um colibri, colorido como sói ser, e o título explicado: COLIBRI DEFLORA OS CHATS [Sexo, Amizade e Amor pela Internet]
Na página de rosto, mais uma explicação:
["Não nos responsabilizamos pelas mensagens trocadas neste canal", costumam dizer as Home Pages das salas de bate-papos (chatters). "Qualquer semelhança com pessoas ou nomes (no caso Nicknames) é mera coincidência" - dizem as obras literárias... Concluo então que a vida é de domínio público - desde que resguardado o direito à privacidade".]
O livro é de 1997 e deve ter ajudado muitas pessoas a afastaem fantasmas e temores que a palavra "chatters" inspirava ainda na época e ainda inspira. Há centenas de pessoas (e sei por causa das confidências que ouço em meu consultório) que morrem de vontade de conhecer, mas morrem de medo também.
O prefácio intitulado "Gatos devoram Colibri", de Leila Miccolis, é simplesmente espetaular. Livro dentro de livro. Para mim, que há anos estudo o fenômeno da Internet sobre a psique das pessoas, a elaboração da múltiplas faces que um nick permite e vários outros aspectos, o encontrar o verbo desatado com tal maestria sobre o tema, foi um presente extra. A teatróloga e poeta, jornalista e mulher de tantos ofícios, Leila Miccolis, caracteriza "Cilibri Deflora o Chat" como um conto das Mil e Uma Noites pós- moderna. Não poderia ter sido mais precisa. A fascinante multiplicidade de espelhos a refletir histórias dentro de histórias está exemplificada nesse romance. E a prefaciadora faz uma análise psicossocial dessa tendência hodierna com seu olhar atento de beija-flor — ela própria — a selecionar o pólen dos significantes e significados e explicá-los ao leitor.
Achei interessante a obsevação, na página de créditos:
[REVISÃO:
DISPENSADA,UMA VEZ QUE O AUTOR OPTOU PELA FIDELIDADE À GRAFIA DOS CHATS:USO DE EMOTICONS,CARACTERETAS,CONSTANTES ABREVIAÇÕES E AUSÊNCIA D CEDILHAS E ACENTOS]
O livro de Uhracy, em que pese a originalidade de quando foi lançado (há dias, recebi um conto para revisar, e o autor, que não conhece o trabalho do Urha, também desenrola a trama respeitando a dinâmica em um chat), é sobretudo, um livro corajoso, pois testemunha um tempo novo na comunicação, nas emoções e questões de gênero e de direito, nos eufemismos e neologismos, mas sobreudo, na liberdade de ser.
O protagonismo é exercitado paralelo aos demais personagens, que falam em particular ou em aberto, enquanto as confidências, marcações e tendências podem estar sendo interpretadas como mentira ou verdade.
Antes que o período de acontecência desse livro ocorra, o autor oferece logo dez "DICAS PARA UM RELACIONAMENTO SEXUAL, AMIGÁVEL OU AMOROSO PELA REDE". A didática das mesmas, de per si, já serve para apaziguar o neófito, tal e qual um turista que recebe um manual de instruções sobre um país que visitará.
Os nicks são sugestivos, evocadores-e, como na vida não virtual ,às vezes dizem o absoluto contrário da personalidade dos seus donos. As personas irão se abrindo ou caindo somente com o tempo de convívio e troca virtual, às vezes a protegerem, até ao final. Alguns: Predadora, Libido, Boazuda, Bob, Eros, Paraíba, Pica, Joca, Caralho, Crau, Gigante, Bacurinho, Gay, Fêmea e tantos outros, além da incansável Colibri...
Como psicóloga, considero que a possibilidade de alguém trocar de nome, raça, cor, característica e credo, além de caráter, possui a magia das Mil e Uma Noites, à qual Leila se refere no início de seu profundo prólogo. A abertura para se poder usar o manto da invisibilidade e, estando no ar virtual, poder "conversar reservadamente" com fulano ou beltrano e quase simultaneamente voltar ao seu papel escolhido para aquele chat, é uma das mágicas da Internet.
Urhacy, com simples mas elaboradas trocas de diálogos, verdadeiros ou falsos dos personagns, recria de maneira atraente um Universo novo, onde se insere uma quantidade extraordinária (extra-ordinária) de criaturas a escancararem e/ou a se fecharem em ostras, fascinantes ações de selfs borbulhantes no grande caldeirão da bruxa Internet.
Penso que a Editora Blocos deve fazer uma segunda edição e que esse livro deveria ser tema de congressos e seminários, teses de comunicação.
Leia quem puder...
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
01/10/2005
Ah, minha frase premiada:
DESBLOQUEIE-SE DO BANAL. LEIA BLOCOS ON LINE SEMPRE.
Aproveio para agradecer à Leila, que muitas vezes perdeu horas formatando meus textos e notícias para saírem em Blocos, desconfiguradas por terem seguido no corpo do e-mail (eu, troglodita em informática, engainhando nas possibilidades, a receber tal atenção dessa mestra. E ela trabalha em uma tese, tem o tempo a pingar de conta-gotas).