ATUALIDADE DE BALZAC

Taine, em sua época um prestigioso critico literário e historiador francês, afirmou que Balzac, como observador da natureza humana, rivalizava com Shakespeare. Realmente, como criador de mais de duas mil e quinhentas personagens que enxameiam a sua multitudinária Comédia Humana – monumental conjunto de romances que captam o espírito do século XIX, no período entre a Revolução Francesa e a Restauração –, Honoré de Balzac é autor de 89 títulos, produzidos em apenas dezoito anos de trabalho insano que o levava a dormir às seis da tarde e a acordar à meia-noite, para escrever, às vezes, durante 48 horas seguidas, sem descanso, entre uma e outra chávena de café.

Releio-o agora, após um lapso de mais de vinte anos e volto a encontrar nele, além do criador de caracteres e de destinos, um perfeito contemporâneo. A pertinência do que escreve impressiona, sobretudo, por sua inquestionável atualidade. Está tudo nele e, talvez, mais, pois em Balzac os fatos se apresentam enriquecidos e ampliados pela interpretação e a análise. Especialmente quando se detém em três temas recorrentes em sua obra, a política, o mundo das finanças e o jornalismo, que seria, a seu ver, não somente espelho de todas as mazelas da sociedade, mas um eficiente instrumento de extorsão e de chicana. E, aqui, reavivo a memória do leitor, lembrando o que ele disse dos jornais: se não existissem, seria necessário não inventá-los...

Algumas de suas mais complexas e ambíguas personagens são jornalistas, políticos e banqueiros, em geral dotados de mentes criminosas, como o padre Carlos Herrera – aliás Engana-Morte, aliás Jacques Collin –, alguém enfim que fez pacto não com Deus mas com o diabo; ou, como Lucien de Rubempré, um caráter degenerado pela molície; homem de rara beleza, um dândi dominado pelos prazeres da vaidade, vivendo entregue a distrações exorbitantes, inteiramente consagrado à elegância e à ambição. Seria com o falso espanhol e falso padre, Herrera, segundo o seu criador, o protótipo do político: ambicioso, orgulhoso, vaidoso, negligente e desejando a ordem, enfim, “um desses gênios incompletos que têm o poder de desejar e conceber, o que talvez seja a mesma coisa, mas que não têm a força para executar. Juntos, Lucien e Herrera formavam um político”  [GRIFO NOSSO]. Alguém, como Vernon, como Lousteau, que pretende tornar-se um grande escritor e acaba como foliculário.

Balzac viu o sucesso como o objetivo supremo de uma época atéia, em tudo parecida com a nossa, violenta, corrupta, infestada de políticos hábeis, de transgressores e de arrivistas insaciáveis. Lendo-o, temos a impressão de ler qualquer desses jornais que se publicam aqui e em toda parte, porém no estilo mais nobre da literatura – como diria Antonio Carlos Villaça --que ultrapassa a circunstância e chega ao interior dos fatos. Nesse contexto, as relações e a própria vida se transformam em simulacros, pois a realidade é apenas idéia, meras palavras, palavras, palavras. Assim, o vício liga perpetuamente o rico e o pobre, o pequeno e o grande, como vemos agora com o narcotráfico unindo, de maneira promíscua e insidiosa, os luxuosos condomínios onde vivem os sanguessugas e a favela, o topo e a base da pirâmide social.

Porém, seria o dinheiro o motor de todos os conflitos que movimentam e dão consistência e colorido a tudo o que escreveu, o que chamou a atenção de Engels, que confessou ter aprendido mais em Balzac do que em todos os livros de historiadores, economistas e estatísticos profissionais. Realmente o dinheiro e os negócios permeiam toda a Comédia Humana. Nenhum romancista deu mais atenção ao dinheiro do que Balzac, que viveu endividado e fugindo dos credores. Seria o dinheiro o verdadeiro autor do drama social que ele descreve, ao normatizar as relações e acionar os conflitos que põem o mecanismo do romance em movimento.

Mais atual, impossível. E não falo da contribuição de Balzac noutras esferas, por exemplo na criação e no estudo das gírias, ainda hoje correntes, como “tias” [para caracterizar homossexuais passivos de meia-idade], “laranja” [pessoa usada para representar interesses de outrem], e “lavagem de dinheiro”, que os políticos fazem melhor do que ninguém, expressões recorrentes nos noticiários. Quem sabe, noutro artigo...

Franklin Jorge

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