O reinado dos “sem noção”
Um dia desses discutíamos a tendência cada vez mais crescente da sociedade em direção à brutalidade, à grosseria, à falta de educação pura e simples. São os “sem noção”, que invadem sem pedir licença o espaço alheio, admiram e imitam os episódios constrangedores que vemos em programas do tipo “Pânico na TV”, submetem as pessoas a brincadeiras de mau-gosto em festas e comemorações, falam de boca cheia, comunicam-se através de grunhidos e encontrões, como três adolescentes de cerca de 15 anos que subiram no elevador comigo por seis andares e eu não entendi uma só palavra do que disseram. Um detalhe: cada um tinha na mão a sua latinha de cerveja.
No seu discurso de posse na Academia Paraibana de Letras, em 8 de setembro passado, o poeta e escritor José Nêumanne Pinto chamou atenção para o fato e eu fiquei mais aliviada de ver que outras pessoas compartilham da minha preocupação. Nêumanne afirma que “vivemos uma era de volta à barbárie. A democracia de massas, que levou à Presidência da República o primeiro líder político realmente egresso das camadas populares da população, trouxe em sua bagagem pesada a pregação da ignorância e o primado do demérito. A cafajestice, que assola o mundo como as velhas pragas medievais, invadiu a vida familiar, o aprendizado na escola e até as bibliotecas.”
É nesse país de selvagens que vemos a loura com a caneta na mão, numa Bienal do Livro, autografando a revista masculina na qual apareceu despida, ou a garota de programa contando suas aventuras sexuais nos mais lúbricos detalhes e sendo consagrada nas listas dos mais vendidos. É ainda Nêumanne quem fala: “Uma literatura vulgar e uma arte mal educada substituem em nossos dias os velhos conceitos de beleza e delicadeza. (...) A língua portuguesa-galaica, criada por Camões e aprimorada por Eça, Machado, Pessoa e Bandeira, é diariamente atropelada nas esquinas da promiscuidade, do desleixo e da insensibilidade.”
Ah, se fosse somente a língua, meu caro poeta de Uiraúna. O tecido dos hábitos sociais como um todo está se esfarrapando diante da falta de educação, da ausência de boas maneiras, do achincalhamento dos valores. E a cada ano a sociedade recebe mais um curso de “Como degradar ainda mais o convívio social”, através da maior rede de televisão do país, que transmite o Big Brother Brasil, ensinando de graça a todo mundo, principalmente aos jovens, a serem grosseiros, estúpidos e “sem noção”.
Clotilde Tavares
Texto publicado em 20 de setembro de 2008, no Correio da Paraíba
Enviado pela autora