O PAUPERISMO DA LITERATURA BRASILEIRA
Na entrevista que concedeu ao jornal POESIA VIVA (Rio, Agosto, 1997), Antonio Carlos Secchin falava sobre o pauperismo que se abateu sobre a literatura brasileira: "as noites de autógrafos se transformam em rituais simultâneos de batismo e óbito de um livro, que, fora dali, não será mais visto em lugar nenhum".
Houve um momento de festa com a publicação dos livros de Caetano Veloso, que agora se alinha na vanguarda livresca, onde já brilham os nomes de Chico Buarque, Paulo Coelho, Jô Soares, José Sarney, Chico Anísio. Quando surgirão os portentos de Roberto Carlos, Pelé, Antônio Fagundes, Fernanda Montenegro? Por falta de astros e estrelas não é que a literatura brasileira vai deixar de resplandecer.
Será que a Mídia vai conseguir o que nenhum ditador conseguiu até hoje, ou seja, esvaziar e acabar com a verdadeira literatura brasileira? Lembro que já no Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo, 1985, estava tudo em seus lugares: os acadêmicos e vanguardistas de todos os quadrantes dos países de língua portuguesa, uns falando e a grande maioria ouvindo – e o batalhão de fotógrafos e cinegrafistas à espreita de alguma excepcionalidade, que apareceu de repente, causando o corre-corre nos bastidores e na platéia (do Teatro Sérgio Cardoso) e o espanto na mesa do plenário. O que causava tanto rebuliço? Drummond tinha acabado de chegar? Ana Cristina César assomava o recinto, toda fascinante? Todo mundo espichava o pescoço para ver e saber. João Cabral de Mello Neto? Antônio Cândido? José Sarney, que respondia pela Presidência da República (Tancredo estava hospitalizado)? Nada disso. Nenhuma sombra de Mário de Andrade ou de Manuel Bandeira. Quem acabava de chegar com toda pompa, despertando todos os clarins e caixas de sons era, ninguém mais ninguém menos do que o irrequieto cantor Gilberto Gil, hoje badaladíssimo ministro da cultura. Está morta a égua, alguém disse perto de mim, na arquibancada.
E agora, a literatura brasileira está mesmo estagnada? Está, pelo menos, inédita. Cadê as obras dos bons novos autores? Engavetadas e envelhecendo no ineditismo? O que desejamos é que as editoras façam como a José Olímpio fazia tempos atrás: que revele para o público novos autores da estatura de Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, João Cabral, Emilio Moura, Cecília Meireles, Drummond. Pois que no lugar dos possíveis novos autores talentosos, o que vemos nas livrarias? A penca de autores estrangeiros, as teses de graduação universitária, os corifeus da auto-ajuda, os autores bafejados pela mídia. A coqueluche da auto-ajuda não passa de uma coqueluche insípida e impertinente, a praga dos novos tempos. Tenta ensinar o que todo mundo sabe: caminhar com as próprias pernas. Utiliza uma publicidade enganosa, passando adiante a ilusão de que em suas páginas há solução para todos os problemas da vivência cotidiana. Como poderia ter? Como qualquer pessoa, repentinamente atribulada por essa ou aquela indecisão vai ter tempo e disposição de ir à estante e consultar a brochura da auto-ajuda para saber o que ela recomenda a respeito da atribulação momentânea?
O escritor é um homem público, que trabalha e produz não apenas para um patrão, uma empresa. Ele trabalha e produz para o público em geral. E conselho por conselho é preferível o do poeta W.H. Auden (1907-1973): "Nos desertos da alma/ Faça brotar água calma. / Na prisão de seus dias/ ensine o homem livre a cantar". Pois o poeta, como lá diz Tzvetan Todorov, "não precisa se dedicar a uma causa, nobre ou ignóbil, a fim de cumprir sua missão: isso ele faz em sendo um poeta. Os combatentes judeus do gueto de Varsóvia queriam salvar a vida do poeta Berl Katznelson, não porque ele fosse o soldado mais precioso, mas porque suas palavras poderiam ajudar os sobreviventes a viver melhor".
As cinco principais causas do ineditismo de muitos autores são, na minha opinião:
1 – A classe dirigente tem muita relutância em aceitar a figura às vezes incômoda do ficcionista e do poeta, portadores, geralmente, de revelações de segredos incômodos.
2 – As editoras que produzem e distribuem os livros em grandes tiragens, são empresas comerciais, que visam, sobretudo, certa rentabilidade antecipadamente garantida – e nesse ponto os autores bafejados pela mídia levam nítida vantagem.
3 - Os concursos literários, geralmente, têm as cartas marcadas, e nesse ponto assemelham-se aos outros concursos das manjadas concorrências de obras do poder público. Ao que tudo indica, os vencedores são escolhidos antes dos julgamentos.
4 – As leis de incentivo cultural baseadas na chamada isenção fiscal também tem lá suas cartas marcadas. O autor, para conseguir o financiamento, tem que ter mais talento para ser lobista do que para ser propriamente escritor.
5 – Resta a chamada edição por conta própria e aí entra o perigo até mesmo sanitário. Se o autor não souber comercializar, corre o risco da desistência ou até do enfarto do miocárdio, uma vez que tem de trocar o papel de escritor para o de comerciante, o que nunca conseguirá, se realmente for um escritor.
Lázaro Barreto