O Ministério do Sonho

             Hoje, dia de eleição, estou me lembrando que durante a última ditadura (quando não se podia votar), escrevi um artigo (que não consigo encontrar) onde falava que era urgente se criar o Ministério dos Sonhos. Alguns acharam que era coisa de poeta. Não era, era algo muito prático.

             A tese era bem simples e tinha certa lógica. Primeiramente partia de uma premissa incontornável: todo mundo sonha, até os animais. Cachorros, vacas, os republicanos americanos e os talibãs, todo mundo sonha. Em segundo lugar, era uma constatação tirada daquela ditadura que nos censurava e nos proibia votar. Ou seja, havia o SNI (Serviço Nacional de Informações) e o DOPS (Departamento da Ordem Politica e Social) que fichava a vida secreta dos brasileiros. Quer dizer, fichavam os sonhos e pesadelos dos cidadãos mais alucinados, que ousavam sonhar em voz alta e em público. Catalogavam isto cuidadosamente.

             Então, pensei: por que isto tem que ser feito às escondidas? Por que se interessam em saber só o desejo de uma parte da população? Por que não criar o Ministério dos Sonhos, uma instituição mais ampla e democrática? Lá estariam dispostos todos os desejos dos brasileiros, por ordem de interesse ou ordem alfabética.

             Alguém vai alegar que o IBGE já faz isto. Não, o IBGE (que está com este senso novo), diz do que está acontecendo, não do que deveria e poderia acontecer.E a função do sonho é corrigir a realidade. Eu ja disse: sonhamos para que o real se realize. Qualquer estudante de psicanálise sabe que sonhamos com o que nos falta.

             Pois nessa campanha, os candidatos estão acenando com seus sonhos e tentando reproduzir os sonhos nossos. Suas campanhas parecem esses anúncios que tornam tudo mais branco, os cartões de crédito que resolvem tudo ou prateleiras de supermercado com produtos quase dados. O discurso deles, de alguma maneira, tenta acompanhar os desejos do eleitorado.

             Sempre tive o maior respeito pelos sonhos alheios (e os meus, é claro). Mas sonho é também a contraparte do pesadelo. Os dois se misturam muito. E a campanha eleitoral também reflete isto. No meio de tanta coisa utópica e linda que acenam nos palanques, há a intriga, a maledicência e o veneno.

             Que fazer? O ser humano é assim- duplo e ambíguo. Sua fala, como os sonhos, é cheia de segundas e terceiras intenções. Por isto, nesses dias em que fomos convocados a sonhar pelo voto, me dei conta que havia uma hidrofobia solta nos jornais, revistas e internet. E em forma de twitter assim me manifestei:

Cuidado meu povo
a hidrofobia política
volta a atacar e de novo.

Desolado, a contra-gosto
descubro que a hidrofobia política
transcendeu o mês de agosto.

Ainda uma vez vos lembro
a hidrofobia política
agora ataca em setembro.

Horrorizado descubro
que a hidrofobia política
vai nos morder em outubro .

             E já que poesia & sonho estão geminados no mesmo mistério & ministério, retomo o final de um poema antigo- "A Arte de Sonhar"- que dizia:

Então me indago do que sonha meu povo:
se sonha pouco o meu povo
se sonha
o meu pobre povo.
Penso:
vai ver que sonhamos certo
e errada é a interpretação
ou será que sonhamos sonhos
que não têm realização?

Affonso Romano de Sant'Anna

Fonte: http://www. affonsoromano .com.br/ blog/

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