A TACTICA DO BRANCO DESBLOQUE (***)

Vamos combinar? Daqui por deante nenhum biographado peidou nem cagou fedido, nem arroctou nem vomitou azedo, nem teve bafo de cachaça, nem de cigarro, nem teve cecê, nem chulé, nem caspa, nem pereba. nenhum biographado brigou com o melhor amigo, nem trahiu a mulher, nem batteu nas creanças, nem xingou a propria mãe, nem a dos outros, nem puxou o tapete do collega, nem praguejou contra Zeus, nem contra Belzebuth, nem caloteou, nem pirateou, nem trapaceou, nem estapeou, nem sacaneou ninguem. Homosexual, então, nem morta! Bicha famosa, depois de morta, vira garanhão ou touro reproductor nas biographias.

Em contrapartida, nenhum biographo precisará de previa auctorização para contar a vida de nenhuma celebridade, seja das artes, seja da politica, da religião ou das finanças. Algum biographo pode até mentir ou exaggerar, quando disser, por exemplo, que o biographado rezou para Jesus Christo Superstar e, graças a tal milagre, salvou da cegueira o proprio filho, hoje tão cego quanto eu e por obra e graça divina, ou da medicina. Mas, si a narração de taes milagres contribuir para a canonização do biographado, qualquer biographia estará, com certeza, automaticamente auctorizada.

O mesmo vale para assassinos seriaes, carrascos nazistas, dictadores genocidas, torturadores, estupradores ou criminosos do collarinho branco. Basta que o biographo não ommitta nenhum detalhe de suas boas acções e suas boas companhias (inclusive na bolsa), e ninguem poderá se queixar da volta da censura, do patrulhamento ideologico, da intriga da opposição e de outras segundas intenções que cerceiem a liberdade de expressão ou prejudiquem o mercado editorial. Tudo isso sem necessidade de novas leis, nem de revisão das ja vigentes.

Agora, ca entre nós, que ninguem nos leia: adeanta alguma coisa ficarmos combinando? Biographia de gente famosa tem que ser como cremação ou doação de organs. Quem for bem intencionado que tracte de deixar estipulado o seu desejo de auctorizar quaesquer biographias, ora! Assim como na politica ou na chantagem, quem não deve não teme. A conclusão é que, à parte os direitos auctoraes e respectivos percentuaes (lembrando que as biographias rendem muito menos que os cachês & royalties das celebridades), todo biographado que desauctorizar sua biographia comprará briga, não só com a imprensa ou com a intellectualidade, mas com seus proprios fans e, peor ainda, com os internautas, que fatalmente irão piratear e hackear, alem de fajutar, tudo aquillo que o sujeito queira ommittir e esconder. Será peor a emenda que o soneto, pois, na clandestinidade, as biographias não auctorizadas terão maior repercussão. Nenhuma vingança é mais saborosa que essa. Particularmente no caso daquelles que ja eram nojentinhos quando idolos da juventude e ficaram bem mais nojentos depois de velhos. Para começar, ja estou applaudindo attitudes como a de Domingos Pellegrini ao thematizar Leminski e espalhar na rede o livro que foi atravancado pela viuva do conterraneo. Ao atrapalho no trabalho responde-se com um branco desbloque. Ah, e adeanto que apoiarei qualquer movimento de boycotte a biographias typo chapa branca. Procuremos ignorar as procurações do saber!

De minha parte, ja adeantei que prefiro ser sapão de brejinho a ser sapinho de brejão. Não tenho, portanto, fama nem fortuna (inclusive critica) que justifique qualquer preoccupação com differentes versões de hypotheticas biographias. Mas ninguem pode dizer desta agua não beberei e, portanto, posso me tornar famoso ou rico posthumamente, quem sabe... Para livrar de duvidas, estou deixando um roteiro chronologico e bibliographico, com tudo annotado, incluindo até crises de prisão de ventre ou de diarrhéa, magoas que causei e rancores que guardei, mancadas dadas e soffridas, emfim tudo de mesquinho e vergonhoso que faça contraponcto a uma obra meritoria capaz de valer biographias. E si alguem quizer adduzir factos inveridicos, nada tenho com isso, pois tudo alimenta a lenda dum dicto "maldicto". Ja disse que sou favoravel a mythos que incrementem a persona dos auctores, visto que suas figuras fazem parte do imaginario popular e, tal como na obra aberta, suas acções ou creações pertencem mais aos leitores que a elles proprios ou a herdeiros abutres de seu cadaver. Com isso deixo os biographos à vontade e dou uma banana para essas leis obscurantistas defendidas pelos distinctos esclarecidos que procuram saber sem que nosoutros saibamos.

Dicto isto, offereço aos meus quattro leitores pingados estes quattro sonetilhos pertinentes.

CYCLO "BIOGRAPHIAS DESAUCTORIZADAS"

[1] DUMAS VERDADES ATRAZ DE GRADES [5354]

Ninguem pode, num estudo
academico, ter tino?
Si quizerem, eu ajudo
a aponctar o Virgulino!

Gay foi elle, sim, eis tudo!
Tambem Senna um faro fino
desmascara! Ninguem mudo
pode estar, é o que eu opino!

Si Dumont alguem ja disse
que foi homo, da bichice
não excappa um cangaceiro!

No futuro, bom conceito
terá, logico, o sujeito
que disser isso primeiro!

[2] DUNS SAFADOS BIOGRAPHADOS [5355]

Mysterioso é tambem Rosa.
Diadorim ja deu a pista.
Para alguns, Guimarães posa
de machão, mas dá na vista.

Litteraria fama goza,
como o Mario, mas a lista,
seja em verso, seja em prosa,
dos veados é bemquista.

Não precisa alguem ter medo
que revelem o segredo
desses genios brasileiros!

Nenhum merito elles vão
perder, caso em discussão
estiverem seus trazeiros!

[3] DUNS COLLEGAS DE REFREGAS [5356]

Moralismo litterario
é bobagem. Si veado
foi o Rosa ou foi o Mario,
não se altera seu legado.

No Brasil, é farto e vario
o registro analysado:
Piva, Abreu, do Rio... o pareo
será duro e eu não me evado.

Tambem entro nessa lista
e convido o moralista
a reler o que escrevemos!

Si reler, depois convido
o careta empedernido
a transar com nossos demos!

[4] DUMA VIDA RESOLVIDA [5357]

Em debatte, entra na roda
um assumpto divertido:
questionar si está na moda
ser veado ou gay ter sido.

Quando vivo o auctor, é foda!
De bichona e de invertido
é chamado. Elle incommoda
menos, caso fallecido.

Si deixou obra famosa,
boa fama tambem goza,
mesmo tendo dado o rabo...

Mas, em vida, fazem pouco
de quem fama tem de louco,
de confrade do Diabo...

Glauco Mattoso

(***) Postado originalmente no blog da Escrita, a respeito da polêmica sobre a questão das biografias e enviado pelo próprio autor

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