O DESPREZO DAS ARTES CLÁSSICAS NO BRASIL. INOVAR NÃO É BANALIZAR
Não há como estabelecer comparação em termos dos chamados espetáculos clássicos no Brasil principalmente, no eixo Rio/São Paulo tomando como exemplo alguns eventos nos espaços abertos ou em recintos fechados em países com tradição nessa especialidade. São referenciais adquiridos que motivam esse tipo de programação cultural. As temporadas são sugeridas por administradores e especialistas conhecedores do assunto e não por gente do “ramo” geralmente nomeada pelo conhecido QI (Quem Indica).
Não se adquire de um momento para o outro o hábito de apreciar sem antes ser incentivado por estratégias motivadoras e consequentemente aplicar e usufruir da pratica de uma metodologia específica para cada abordagem. O que se tem visto no Brasil é uma improvisação exacerbada cercada de um diletantismo de dar inveja a qualquer cantor iniciante do “hit pared”. É uma desconstrução negativa no qual os valores adquiridos ao longo dos anos são descartados em face dos eufemismos e utopias aplicados.
Os produtos culturais não são uma mera mercadoria. Existem produtores e consumidores que fomentam a indústria cultural com sapiência. Entre o que contempla e é contemplado temos uma mercadoria que deve ser consumida para que se tenha uma avaliação se os fins foram alcançados.
Que sentido há em fazer alusões às montagens ao ar livre em países como os Estados Unidos, Alemanha, França, Itália e outros que adotam essa empreitada de popularizar o clássico. A meta é abrir possibilidades para proporcionar ao público em geral e principalmente os que não tiveram acesso a uma arte chamada de elitista de entrar em contato com um tipo de expressão distinto dos seus costumes. Os bons resultados são colhidos mediante projetos que diferenciavam a clientela alvo, dessa forma instigando a empatia do espectador. Não se pode falar o mesmo em relação às programações esporádicas e festivais implantados com suposta finalidade de permitir o acesso dos “excluídos”.
Os mais significativos teatros no mundo que acolhem as programações clássicas costumeiras ou as atuais voltadas para esse segmento de ante mão sabem que não há lucro. É insignificante o apoio do Estado no Brasil, no exterior a iniciativa privada é mais participativa. Bons resultados foram registrados com os apadrinhamentos e recursos injetados na formação de orquestras, corais, grupos de danças, teatro nas comunidades carentes na periferia das cidades brasileiras.
O Teatro São Pedro e Municipal ambos em São Paulo pretendem incluir compositores brasileiros contemporâneos de óperas em 2015 na sua programação. Vejamos em que isso vai dar? As “temporadas” de óperas no Brasil optam por uma programação pequena. Não há a mínima possibilidade de se apreciar títulos diferenciados dos já comumente encenados por falta de estrutura e competência. O mesmo ocorre em relação aos concertos que só fogem do cotidiano quando são orquestras estrangeiras que nos visitam. A Dell'Arte empresa cultural e de entretenimento fundada em 1982 pela empresária Myrian Dauelsberg e sediada no Rio de Janeiro é sem dúvida a responsável pela excelência de eventos clássicos.
O sucateamento do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em locações ou empréstimos para todos os tipos de comemorações é trágico e demonstra a desqualificação dos seus diretores. Por décadas acolheu o baile de gala do carnaval da cidade Rio de Janeiro não se sabe como a sua arquitetura não desabou. A entrada dos teatros sem exceção em dia de função é tomada por todos os tipos de ambulantes, cambistas e pedintes. Calçadas são tomadas de lixo. A direção ou a prefeitura jamais coibiu essa bandalha.
São válidas que essas programações culturais fujam dos espaços tradicionais e possam trazer possibilidades de emprego e fomentar o turismo. Nesse último item para se obter sucesso torna-se necessário no mínimo uma terceira edição do projeto. Fácil citar as montagens de balé de New York, a ópera em Sidney, a filarmônica de Berlim, o festival de Nantes, os concertos ao ar livre na Áustria etc... Deve-se ressaltar que tudo é feito com muito comprometimento e envolve a contratação de bons profissionais em todos os seus segmentos e etapas.
O conhecimento e manejo da arte possuem peso relevante para se alcançar o sucesso. Não dá para citar os renomados eventos ao redor do mundo como motivação para inseri-los de base entre-nos ou para salvaguardar erros realizados com frequência nos poucos conceituados teatros no Brasil. O que temos visto é um amadorismo que só serve para destruir o bom padrão de décadas cultuado com esmero e competência. Rotular ou criar títulos contestadores como: “Pop”, “pós-moderno” etc não dá nenhuma legitimidade. O projeto “Aquário” do jornal“ O Globo” é um dos raros eventos que atrai o grande público propiciando uma iniciação na esfera da música clássica.
Na ilusão de que há um “novo público” interessado — o mesmo que clica seus celulares e máquinas fotográficas e fica robotizado e disperso sem a mínima atenção nos espetáculos é engano. Afinal esse público tem uma escola deficiente, está automatizado perante os aparelhos manuseados e no seu currículo escolar não há a disciplina musical (como antes) que motive o gosto e consequentemente a compreensão da música. Os sucessivos governos não conseguem despertar o senso crítico e gerar espectadores interessados, Não existe um planejamento educativo em longo prazo. A maioria dos restaurantes e bares das cidades substituiu a música em geral pelo aparelho de TV. O estrago dessa apatia reflete a falta de um direcionamento correto no sistema educacional. Isso explica em parte a falha no comportamento social ao se verem diante do desconhecido.
É primário dar como exemplo alguns acertos em montagens bissextas.Nas últimas décadas as temporadas têm sido obsoletas; cenografia, iluminação e figurinos paupérrimos ou fora do contexto. Um declínio lamentável, pois o Rio de Janeiro já teve central de produção técnica e grandes nomes internacionais da dança ativos e se tornaram professores escolhendo essa cidade não só para viver como profissionais ensinando padrões técnicos e interpretativos das mais renomadas companhias de dança do mundo.
A ópera teve exemplos imprescindíveis de fora para dentro. O Rio de Janeiro já sediou um dos mais importantes concursos internacional de canto lírico com adesão de um grande público e, por conseguinte fomentando o gosto pelo bel canto. Hoje apresenta uma temporada minguada e irrelevante. Uma repetição irritante e sem imaginação.
O aspecto inovador não é o fato de apresentar o “novo” e sim utilizar-se de todos os conhecimentos já adquiridos e repassá-los. Esses mestres imigrantes trouxeram na sua bagagem a escolha concernente às obras escolhidas, autores, diretores e artistas enfim, todos os componentes necessários. Para ressaltar a complexidade de um espetáculo é preciso ter a consciência de que se lida com gerações diversas entre elas a dos mais jovens, ou seja, a geração Z na porta de entrada e totalmente dependente da tecnologia de massa. Destinados e propensos a divulgarem seu subjetivismo, suas “ideias” e em parte menosprezar os conteúdos das múltiplas culturas. É um desterritorizar sem finalidade, tendo como praxe largar os conteúdos formativos existentes. São tribos sociais sem lastros coesos a consumir de tudo e ainda não definidos para dizer por que vieram. No caso especifico, talvez, a intenção de burlar o sistema ou pelo menos preconizar um alarde em face da confusa heterogeneidade sócio cultural vigente.
Há um desiquilíbrio qualitativo na arte em todos os níveis e mais comum entre nós que a cada ano se acentua e dificulta o manuseio do senso-crítico. Afasta os que possuem uma bagagem cultural, pois não há mais acréscimo. Alguns insistem em contribuir prestigiando com suas presenças e dando informações aos curiosos. Nada contra inovar. Formar o público sem ter por obrigatoriedade alijar os que têm gostos duvidosos. Estabelecer a comparação, o diálogo, à discussão, descartar a improvisação são regras a serem seguidas. O imediatismo é próprio daqueles que não querem se confrontar os que continuam presos à tentativa de criar um “novo” sistema e, por conseguinte fazer uso do descompromisso passando por cima de tudo e de todos como se fosse uma máquina destrutiva.
Reiterando: querer trazer mudanças para marcar presença e conseguir verbas sem antes ter criado um projeto embasado é uma medida delapidadora. Outro aspecto importante é educar o público dando-lhe conhecimento de como interagir diante das influências da música clássica e como se comportar para usufruir de uma oportunidade que somara positivamente na sua formação. Proibir os irritantes celulares, máquinas fotográficas, crianças de colo chorando, pessoas comendo na hora do espetáculo, entrando depois da cena aberta é demonstrar a preocupação de compartilhar com o bem estar do todos.
Tem sido de praxe a contratação de artistas estrangeiros sem a qualificação devida, a maioria não sinalizam para as exigências e perspectivas de informações desejadas. O valor comparativo é básico para o aprimoramento do conhecimento. Um dos bons exemplos é o Concurso Internacional BNDES de piano do Rio de Janeiro que está na sua IV edição em 2014. Reúne participantes de vários países com suas escolas diferentes. Os ingressos são gratuitos e o público corresponde a esse chamamento indo ao encontro e às normas apresentadas com satisfação.
Não ser elitista é não escancarar as portas para “realizações” que não valorizem a arte como um todo e não complete o próprio homem. Existem sim grandes diferenças no ato de criar e gerenciar a Arte.
Vicente de Percia