TIM MAIA DOIDÃO E MEIO?
Doidão, Inconsequente, Irreverente, Engraçado, Obeso, Viciado, Massa! Tantos adjetivos um a um foram aplicados a Sebastião Rodrigues Maia (Tim Maia), mas, nenhum da forma que ele mais almejava: o de gênio da música, pelo menos, na mistura de ritmos, soul, funk, rock em cujo sumo ele cristalizou seus maiores sucessos.
E olha que gênio não é epíteto tão raro assim num ambiente em que todos se consideram como tal, bastando para isso vender discos, ser aclamado pelas plateias e ter suas músicas escolhidas como trilhas de novelas. Exige-se, no entanto, alguns atributos especiais, que vão além da mera avaliação do talento musical, e a sua concessão, pelos críticos musicais, exige algumas virtudes, digamos assim, mais palatáveis que as possuídas pelo gordo e mulato Tim Maia.
Como, por exemplo, seu oposto, Chico Buarque de Holanda. Esse nasceu para ser considerado Gênio, antes, agora e depois, aqui, lá e acolá. Esse sim! Nascido boa pinta, de família conceituada e rica, inteligente e culto (o tipo de marido que todas as mães desejavam para suas filhas), a aura de gênio lhe caiu como uma luva. E, se, por oportunismo ou não, apropriou-se da sina de revolucionário e contestador (uma atividade que ele, de fato, jamais exerceu) aí mesmo é que sua genialidade passou a jorrar do altar de herói para onde foi alçado por falta de outro, mais verdadeiro ou conveniente.
E, assim como a ele, a carapuça de gênio também coube e continua coçando na cabeça de tantos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e, mais tarde, até Roberto Carlos, etc., uma coleção de incensados por causa do talento, claro, mas, sobretudo, por incorporarem figuras palatáveis para a sociedade.
Esses não tinham os olhos verdes de Chico, mas adquiriram o passaporte para a genialidade por suas posturas festivas, simpáticas e dançarinas, de uma rebeldia de ocasião, asséptica e inofensiva.
Mas Tim Maia, não. Era gordo, feio, e mulato, um viciado ostensivo, que fazia a apologia das drogas que consumia em shows, na vida particular, na cadeia e onde houvesse espaço. A biografia de Tim Maia escrita por Nelson Motta (*), que acabei de ler esmiúça os aspectos mais bizarros de sua trajetória, mas não explica a razão por trás de sua tragédia pessoal, nem o traduz para as gerações vindouras. Cantor e compositor bem mais que medíocre, sempre soaram raros na sua avaliação, tanto uma negativa plena como um arroubo de exaltação, Tim Maia nunca passou de um artista considerado apenas “aceitável” pela classe média, que o consumia e com ele ria.
O livro de Motta padece da carência da perspicácia do leitor para sugerir que sua incompatibilidade com a vida talvez estivesse nisso mesmo: num julgamento arrevesado e mediano que ele próprio fazia de si mesmo, daí a jactância, que superexagerava, para compensar tantas frustrações em relação ao ambiente em que passou a viver e no qual, para sobressair, teve de se impor na marra.
Da sua frase mais emblemática relativa ao país em que vivia e ao ambiente que o cercava Tim Maia disse: “O Brasil é um país em que puta goza, gigolô tem ciúme, traficante fuma maconha e pobre é de direita”. Só faltou completar: “e que jamais reconhecerá, com a mesma medida dos favorecidos, o talento dos gordos, feios, mulatos e drogados.“ Como ele, Tim Maia.
José Ewerton Neto
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(*) "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia", Nelson Motta, 2007, Editora Objetiva, RJ