O Tarô estereotipado
“Kelma, por que você não escreve sobre Tarô?”.
“Porque eu já escrevo, só não crio estereótipos”.
Esse diálogo se repete com frequência em minha caixa postal, mensagens de Facebook e nos fatídicos encontros sociais. Existe um fator introdutório nessa questão que é a tendência natural do ser humano sempre buscar aquilo que não tem e reparar no que falta, preferindo não valorizar o que já existe. Como por exemplo darmos valor à vida quando perdemos alguém que amamos, sentir falta de quem se ama quando está longe, criticar um ator de comédia porque deveria fazer drama e vice-versa. Indivíduos aprendem com a falta, não com a presença. Em meu caso, se eu escrevesse só sobre Tarô, seria requisitada certamente para falar sobre outra coisa. O fator essencial, além do introdutório, é que sou daquelas que acredita que o Tarô se vive, não se estereotipa. É claro que aprendi Tarô de todas as formas, desde a intuitiva até as mais técnicas, mas chegando ao 20 anos de profissão percebo que a esquematização é erro duplo: fere quem estuda e fere quem é analisado pela leitura semi-pronta.
Escrever sobre esse Tarô didático costuma servir mais para meus colegas ou concorrentes do que para meus clientes e seguidores. A função é limitada, porque se eu enfatizar a parte fria da carta da Justiça, estarei restringindo todo o processo vivenciado pelo consulente e direcionando o aluno para o “decoreba”. É comum o consulente fazer uma consulta de Tarô e depois tirar dúvidas no Google. Semelhante a uma consulta médica, na qual obtemos prescrição de um anti-inflamatório e após lermos a bula no Google decidimos não tomar (um erro, mas acontece). No Tarô é usual o aluno/aprendiz perguntar por que o Imperador é do elemento Terra e do signo de Capricórnio, já que ele leu num Site famoso esses dados, então supõe que seja verdade.
Quando rejeitamos a prática e vivemos na teoria, saímos da realidade. E só jogando, atendendo, estudando, praticando veremos que existem inúmeros Eremitas soltos por esse mundo de meu Deus. Milhares de Papisas e Magos, cada um em sua história, e consequentemente impossíveis de serem comparados. A fenomenologia explica, pode crer. Junte o aspecto fenomenológico com a história de vida de cada um e verá que estereotipar pode ser um empobrecimento sem retorno. No famoso seriado Downton Abbey, durante um diálogo entre personagens sofridos, surge a frase: “Não somos nós que mudamos, é a vida que muda a gente”. Eis que o empirismo se mostra em todo o seu esplendor esclarecendo que cada um tem sua experiência e sua trajetória. Não é possível catalogar algo que demanda impressões digitais diversas.
É por esse motivo que não escrevo “sobre Tarô”. Escrevo sobre a vida, que contém os símbolos do Tarô e esses símbolos dançam em cores diferentes, a cada episódio. Conto uma história com cara de Torre, relato um fato com cheiro de Julgamento, critico um comportamento típico da Estrela. Mas nada disso vai encerrar o conhecimento simbólico, que é algo inesgotável. Assim temos as cartas embaralhadas num método e descobrimos as mais variadas possibilidades. Combinações que jamais se encerram. Não dá para escrever “sobre Tarô”. Não é possível definir que o Mundo é bom ou ruim, porque o seu Mundo pode ser ótimo e o meu pode ser uma verdadeira catástrofe. Sua Torre pode doer, a minha pode libertar. Variações. Fenomenologia. Empirismo.
Kelma Mazziero