E AGORA ?
       (noite de 11 de setembro de 2001)
 
Aqui, deste quarto, não preciso de muito esforço para ouvir os berros, o choro, o desespero dos soterrados no centro comercial
do mundo. Não preciso de olhos para ver o vagar das almas mutiladas, as mães estupefatas, os órfãos incrédulos, os passageiros da agonia de um final infeliz.

Aqui, neste quarto, estou sã e salva.

Salva ? Sã ?

O epi-centro desse epis-ódio é apenas um. O ódio. Aquele que não se tolera porque é intolerável. Aquele que não se justifica
porque é injustificável. Aquele que mais que absurdo é um absurdo imensurável. E na boca do túnel estavam elas, pobres
indefesas.

E foram sugadas sem volta. E foram queimadas com um ponto de interrogação na testa. Ou se lançaram pelos vidros do infinito.
Ou sobrevivem por conta de um milagre dos céus ou do inferno, testando o quanto de dor é suportável por um ser humano. Algumas ainda estão lá, nesta noite de mil horas, esperando a salvação que provavelmente não virá.

Eu não quero saber se a culpa foi do capitalismo insano ou da democracia bastarda. Se a globalização apressou ou a nasdaq
despencou. Se era pro tio sam acordar ou adormecer. Se era pra doer. Se era pra vingar. Se era porque era a hora e ponto. Se
Nostradamus avisou ou a Bíblia consagrou.

O que eu quero saber é... e agora ?

Qual será a ação da reação ? Quem mais vai pagar o pato, a onça, o javali ? Quem será o bicho da vez ? Quem será o animal
dessa vez ? Quantos animais habitam o nosso interior, são nossos amigos, vizinhos, companheiros ?

Se o presidente chora, chora por mim ou de si ? Se ri por dentro, será que eu não vejo ? Será que ninguém é capaz de enxergar?

E agora? O que nos espera amanhã? E depois de amanhã? Se uma nova era começa em 12 de setembro, eu quero dormir.
Quero dormir mil anos para não ver.

Ah, mas deste quarto, salva e sã, sã e salva, vou me desconectar. Adormecer neste oitavo andar. Vou tentar fazer como tantos.
Que nem perceberam que o mundo mudou. Ou melhor, desnudou-se.  E mostrou-se mais frágil que uma rosa (não a de Hiroshima). Sensível, inimaginável, surpreendente... Mas se é de surpresas que é feita a vida, do que é feita a morte ?

Pelos mortos pela paz, eu oro.

Pelos vivos sem paz, eu oro.

Por todos os indignados, de todos os quartos do mundo, eu oro.

Oro para calar a pergunta: E agora ?

Isabel Machado

« Voltar