EM NOME DE DEUS (ES),
DO CAOS E DO ESPÍRITO INSANO

Nem a alegria disfarçada dos que odeiam o imperialismo norte-americano. Nem o lamento de quem acha que os Estados Unidos são coitadinhos à mercê de terroristas inescrupolosos. Nem uma coisa, nem outra. Muito pelo contrário. A série de atentados terroristas que derrubou os símbolos do poder econômico e militar dos Estados Unidos - os prédios do World Trade Center e do Pentágono - deveria merecer uma reflexão mais profunda de quem comanda a política internacional. E também dos formadores de opinião. Reflexão sobre a que ponto podem levar os radicalismos religiosos e, também, a força centralizadora do poder mundial nas mãos de um único país. Infelizmente, as avaliações não estão indo por aí. Ou se comemora absurdamente o fato, ou se utilizam do número de mortes acontecido para chamar os terroristas de diabos do mundo moderno.

No caso dos terroristas, nada justifica as cenas que vimos terça-feira na televisão. Mahatma Gandhi, líder pacifista que contribuiu  decisivamente para a independência da Índia apenas com a força do verbo, já pregava a não-violência como forma mais lógica e racional para se conseguir atingir os objetivos visados. Caso sejam palestinos os responsáveis pelos atos de terror nos Estados Unidos (como tudo leva a crer), lamenta-se até que ponto chegue o fanatismo religioso. Não é à toa que eles utilizam atitudes kamicases para reforçarem seus ideais, que não têm nada de cristãos. A intransigência religiosa parece ser um dos grandes males deste século que se inicia. Recentemente, aqui mesmo em João Pessoa, evangélicos invadiram a seara alheia numa procissão  católica e quase provocam confusão. Nas repartições, adeptos das mais diversas religiões travam acaloradas discussões sobre os dogmas bíblicos. Tudo em nome de Deus. Como se Deus não estivesse acima de todas as religiões! Como se Deus não condenasse discriminações religiosas em torno do seu nome! Como se Deus não fosse contra toda e qualquer manifestação de violência!

No caso dos Estados Unidos, não seria desumano afirmar que eles receberam de volta tudo que vêm fazendo ao mundo ao longo de várias e várias décadas. Tecer louvaninhas à tragédia pelo simples desafio imposto ao intocável imperialismo norte-americano, apesar dos milhares de mortos, é falta de bom senso. Mas, também, lamentar o fato chamando os ianques de coitadinhos é apagar da história tantas atrocidades cometidas em nome da "democracia" alardeada pelos Estados Unidos. Tão democrático que impõe um embargo econômico à Cuba apenas porque o país de Fidel Castro não aceita o jogo político norte-americano, impedindo, assim, a Ilha de ter um desenvolvimento social e econômico sem interferências externas.

E a violência dos terroristas contra os Estados Unidos, não merece condenação? Sim, mas da mesma forma que a violência dos Estados Unidos contra outras nações. Que foi feito do Vietnã? Alguém ainda se lembra daquela antológica foto de uma menina correndo da guerra nas estradas do Vietnã? E Hiroshima e Nagasaki? Não foram atos de barbárie patrocinados pelos coitadinhos que comandam a política dos Estados Unidos?

E todos os atos terroristas impostos pelos Estados Unidos aos países sub sou em desenvolvimento? Ou será que terrorismo é apenas derrubar um prédio e matar pessoas em atitudes suicidas? O terrorismo pode muito bem vir de ações que incentivam a exclusão social e torna os países ricos mais ricos ainda e os pobres no fosso da miséria. O que o FMI faz com nações como o Brasil não pode ser classificado como um ato de terrorismo econômico? Alguém há sempre de alegar que só adere à política do FMI quem quer. Será mesmo? Será que o nó da exclusão econômica nesta globalização que só beneficia os países ricos é tão fácil de desatar sem o apoio dos gringos? Terrorismo pode ser, ainda, a invasão na soberania dos outros países. Por que não? E nisso os EUA são mestres.

Basicamente, existe uma diferença entre os palestinos terroristas e os norte-americanos: aqueles agem como suicidas em nome de um Deus que não concordaria com gestos tresloucados; estes, impõem sua política econômica e bélica como se fossem os deuses do mundo. Em tudo se metem. Em tudo tem o dedo deles. Depois do fim da União Soviética, então, passaram a acreditar que são os donos de todas as riquezas do mundo. Daí, não há limites para o bom senso. Tudo tem que atender aos seus interesses. Tudo mesmo.

O lamentável é que o mundo venha assistindo impassível a essa concentração de poder nas mãos de um só país, de uma só nação. Tantas potências econômicas na Europa e Ásia caladas diante da prepotência e arrogância norte-americana! Se existiu algo de válido nos kamicases palestinos, foi a constatação de que, apesar da passividade dos demais países, os EUA não são os donos do mundo. Não são deuses. Sempre aparecerá um louco suicida para desafiar esse estado de coisas. E nem precisa ser uma potência nuclear. Basta usar a cabeça, pois a inteligência não é uma virtude apenas dos norte-americanos.

Seria bom que, junto com o choro pelos mortos na tragédia e a condenação da violência explícita dos terroristas, o mundo parasse para pensar em tudo de ruim que já aconteceu em nome dos ideais de liberdade profanados (esse o termo) pelo Tio Sam.

Linaldo Guedes

Fonte: Artigo publicado no Jornal A União (PB) em 16/09/2001-09-20
Enviado por: Antonio Mariano

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