Onze de setembro será lembrado como o dia em que o mundo testemunhou
a violência e o desespero via satélite.
Diante do sofrimento extremo de outro humano somos afetados e reagimos
de modos bastante diversos, de acordo claro com a nossa percepção
do mundo e de nossas próprias crenças. Mas algumas reações
são um pouco previsíveis.
Num primeiro momento surge um sentimento de surpresa alienada. Como
se não estivéssemos acreditando no que está acontecendo.
O que normalmente é descrito pelo leigo como "a ficha não
caiu". Este estado é conhecido dos psicanalistas e é chamado
de denegação. Negar a realidade é uma forma primeira
de proteção. Muitos teóricos hipotetizam que o estímulo
externo é tão forte, que o psiquismo intui que se "levarmos
a sério" o que estamos percebendo corremos o risco de "implodir"
devido a violência dos sentimentos internos provocados pela visão
do horror. A denegação é um fenômeno observado
em pacientes que descobrem possuir uma doença incurável,
naqueles que acabaram de receber a notícia da morte de um ente amado.
A idéia é que a percepção do que está
acontecendo indica uma tamanha desestruração de si que a
primeira possibilidade é ver mas ao mesmo tempo não ter visto,
ouvir mas não escutar, entender mas não compreender.
Transcorrido algum tempo ( e nunca se pode prever quanto) passamos
a ter consciência da dimensão real do sofrimento que estamos
testemunhando.
O sofrimento e o desespero do outro nos revela o horror da dor humana
, nos coloca frente a frente com a morte. Agora o Eu mais fortalecido já
é capaz de aceitar a percepção da realidade sem o
risco de se despedaçar, mas justamente por estarmos conscientes
das dimensões reais do fato começamos a sofrer. Neste caso
especificamente , sofremos com a consciência da morte de tantos outros
humanos e com a nossa total impotência em ajudar.
Pior, temos consciência de que muitas daquelas pessoas morreram
vítimas de uma ação planejada.
Logo surge a pergunta : Quem seria capaz de planejar a morte de tantas
pessoas?
Em nome do quê?
Muito provavelmente em nome de um "ideal religioso".
Neste ponto temos que ter muito cuidado porque existe uma diferença
enorme entre islamismo e fundamentalismo islâmico.
Um fanático religioso é alguém que morre em nome
de um ideal .
Os ideais na sua origem são princípios que visam a felicidade
humana. Os ideais deveriam assim garantir o prazer, evitar o desprazer,
evitar o sofrimento nosso e dos outros, conservar a vida de cada um e a
preservação da comunidade. Em Mal estar da Civilização
Freud descreve os ideais com uma forma do homem não ficar totalmente
a mercê de seus instintos tornando a vida em comunidade possível.
Mas no caso do fanático o ideal ganhou tamanha autonomia no
psiquismo que o indívíduo é capaz de morrer para realizar
o ideal.
O valor a vida que na maioria das culturas é um valor máximo
passa estar submetido aos ideais religiosos.
Assim realizar o ideal é mais importante do que viver. E todo
aquele que é percebido como impedindo a realização
do ideal se torna um inimigo odiado que deve ser destruído a qualquer
preço.
O ódio ao inimigo pede sua morte.
Neste momento entra em cena o elemento mais perverso desta montagem
imaginária: a morte do inimigo é festejada , a saber, há
um gozo através do ato de matar. A dor, tortura, humilhação
e até a morte do outro é provocada com o propósito
de impor o ideal e revelar "A Verdade" ao mundo.
O Fundamentalista acredita que conhece "A Verdade" e para revelá-la
ao mundo não importa se ele precisa morrer e se junto com ele morrerão
muitas pessoas, o que importa é que "A Verdade" vai ser revelada
o que dará condições do Ideal ser realizado pois agora
o inimigo foi destruído ou duramente atingido.
O significado da palavra intolerância em sua faceta mais cruel
é assim posto em prática.
O terrorismo mostra a face mais violenta e covarde da paixão
pelos ideais.
Diante desta lógica perversa somos tomados por um sentimento
de indignação.
E talvez mais do que nunca somos forçados a refletir sobre a
importância de ensinarmos aos nossos filhos o significado mais profundo
do respeito a diversidade.
Julio Nascimento
Fonte: Mix Brasil, seção "Identidade/PSI",
URL: <http://www2.uol.com.br/mixbrasil/id/psi/tragedia.htm>
Capturado 14/set/01, 15h34m
Enviado por: Rosy Feros