Acendendo pavios

Uma semana de bombas sobre o Afeganistão, e o que os Estados Unidos conseguiram até agora? De concreto, conseguiram:

1. Demonstrar, mais uma vez, que não existe "ataque cirúrgico", e que as bombas supostamente mais inteligentes erram o alvo e matam civis como quem vai à esquina.

2. Usar a máquina de guerra mais poderosa do mundo para terminar de arrasar um dos países mais miseráveis do mundo. Os deuses da história, definitivamente, não têm piedade daquela gente — quando os afegãos não morrem de fome ou da truculência dos talibãs, morrem pelos mísseis e bombas high-tech dos ocidentais que se arvoram em seus supostos libertadores.

3. Numa mirada mais ampla, a semana de bombardeios conseguiu também levantar populações islâmicas do mundo todo contra os Estados Unidos e o Ocidente. Do Paquistão à Indonésia e ao norte da África, as manifestações de rua proclamam
que os Estados Unidos são o vilão e Osama bin Laden é o herói. Resultado: não há nenhum indício de que a rede de terror de bin Laden tenha se enfraquecido em razão dos bombardeios — ao contrário, são os Estados Unidos que parecem à beira de um ataque de nervos, reféns do pânico despertado por alguns casos confirmados e muitos rebates falsos de contaminação biológica. Mas os governos de países árabes ou que abrigam grandes populações muçulmanas, esses, com certeza, terminaram a semana muito mais fracos.
A primeira conseqüência política concreta da guerra americana poderá muito bem ser a derrubada de um ou dois regimes árabes moderados, como são chamados os governos da região simpáticos aos interesses ocidentais (vem ao caso
lembrar que a ultra-repressiva e fundamentalista família real saudita, por esse critério, é moderada, bem como já o foi Saddam Hussein, no tempo em que era paparicado pelos estrategistas ocidentais como um útil contrapeso ao Irã dos aiatolás). Cairão para dar lugar a novos talibãs, é claro. Bush comporta-se como um incendiário: acende pavios e atira-os em diversos
barris de pólvora. Cabe perfeitamente aos Estados Unidos, portanto, a frase que um radical barbudo ocidental, um certo Karl Marx, disse há um século e meio sobre a dinastia européia dos Bourbon: não esquecem nada e não aprendem nada.

Armando Mendes
Fonte: Correio Braziliense <http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-10-14/mat_16541.htm
Enviado por: Fernando Tanajura Menezes

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