Atentados ameaçam acordo em Alcântara

Os atentados terroristas contra os Estados Unidos, no dia 11 de setembro, fizeram aumentar ainda mais as preocupações na Câmara dos Deputados em relação ao acordo entre o Brasil e o Governo norte-americano para a exploração do Centro de Lançamento de Alcântara (MA). A proposta está em discussão na Comisso de Relações Exteriores e Defesa Nacional e conta com a objeção da oposição e até de parlamentares governistas. O temor dos deputados é que se o contrato for aprovado da forma como está, a segurança do Brasil poderia ficar ameaçada. Isso porque há cláusulas no contrato que proíbem, por exemplo, a inspeção pelo Governo brasileiro de qualquer remessa de material norte-americano que ingresse no território nacional. "Como vamos saber se no há uma ogiva nuclear ou um satélite espio nos contêineres?", questiona o presidente da comisso, deputado Hélio Costa (PMDB-MG).
O relator do acordo, deputado Waldir Pires (PT-BA), também manifesta preocupação com esse dispositivo. "O Governo dos EUA poderá, se quiser, lançar da Base de Alcântara satélites de uso militar contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas", argumenta. O parecer de Pires é pela rejeição do contrato, por considerá-lo lesivo à soberania nacional.
Hélio Costa afirma que resolveu adiar a votação do acordo na comisso por causa do impacto dos atentados terroristas. "Essa questão ficou mais importante ainda depois do que aconteceu nos Estados Unidos. Senti que a comisso está muito preocupada com o acordo depois dos atentados. Tirei da pauta para passar o momento de emoção dos fatos", explicou. A prévios é que o projeto seja votado no final deste mês.
Outra questão que assusta os deputados foi o fato de o Governo brasileiro ter recorrido ao Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar). O acordo, assinado em 1947, prevê que a agressão a um país do continente americano representa uma agressão a todos os países da América. "Se o Brasil invoca o Tiar, está dizendo que quem é inimigo dos Estados Unidos é inimigo nosso. Isso coloca o país como alvo", aponta. O temor é que, se o acordo for aprovado, o Brasil possa sofrer retaliações por causa da cooperação com os EUA.

Câmara não aceita imposições

O presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, deputado Hélio Costa (PMDB-MG), antecipou ao HOJE EM DIA as propostas que irá fazer ao relator, Waldir Pires (PT-BA), para que o acordo seja aprovado. Na avaliação do parlamentar mineiro, algumas pequenas alterações no texto facilitariam a aprovação do contrato, sem prejuízo dos termos do acordo e da soberania nacional. Em relação à  proibição de que o Governo brasileiro inspecione qualquer material dos EUA em território nacional, Costa sugere que as caixas sejam abertas na área restrita da Base de Alcântara, diante da presença de autoridades norte-americanas e brasileiras. "A proibição não existe em país nenhum do mundo. A única exceção são os malotes diplomáticos", explica.
Outro ponto que, na visão do deputado, inviabiliza a aprovação do acordo é a proibição do Brasil em usar os recursos que vai receber dos Estados Unidos para a exploração da base (US$ 30 milhões por ano) no desenvolvimento do lançamento de foguetes brasileiros. "Poucos países têm a tecnologia de lançar foguetes e esse mercado pode chegar a US$ 30 bilhões por ano nos próximos anos, e o Brasil tem de estar presente no processo", defende.
Por isso, Hélio Costa propõe que a verba no seja utilizada diretamente no desenvolvimento de foguetes, mas poderia ser usada em outros programas espaciais brasileiros. Costa também quer alterar a cláusula que proíbe o ingresso de equipamentos, mão-de-obra ou dinheiro de países que no sejam membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis. "A China, por exemplo, não integra o regime e é um dos maiores parceiros do Brasil nessa área", assinala. Ele sugere o intercâmbio com qualquer país, desde que seja para fins pacíficos.
O deputado critica ainda o dispositivo estabelecendo que nada no acordo restringirá o Governo dos EUA para tomar qualquer ação com respeito ao licenciamento da exportação, de acordo com as leis americanas. "Isso no passaria pela Comissão de Constituição e Justiça", garante. Ele quer incluir no texto que o acordo tem de seguir também a legislação brasileira.

Texto foi escrito por brasileiros

Apesar de ser considerado contrário à  soberania do país, o texto original do acordo para a exploração da Base de Alcântara foi escrito em português por técnicos brasileiros. "Quando fui procurar o texto em inglês, descobri que foram autoridades brasileiros que redigiram o acordo. Ou seja, foram os próprios brasileiros que se puseram uma camisa-de-força. Eles foram mais realistas do que o rei", ironiza o deputado Hélio Costa.
O parlamentar diz que nenhum órgão se responsabilizou pelo texto, mas o HOJE EM DIA apurou que ele foi redigido pela Agência Espacial Brasileira (AEB), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. "Os ministros Ronaldo Sardenberg (Ciência e Tecnologia) e Celso Lafer (Relações Exteriores) e a embaixada americana dizem que não foram eles", relata. Na avaliação do deputado, faltou sensibilidade dos redatores do acordo para conciliar a questão da segurança aos norte-americanos e a soberania nacional. "A responsabilidade dos termos é mais do Governo brasileiro do que dos Estados Unidos", sublinha. Ele critica a falta de diálogo das autoridades brasileiras com o Congresso Nacional. "O Sardenberg passou cinco horas na comissão ouvindo sugestões de vários deputados e no aceitou nenhuma", condena.
Costa ressalta que não é contrário à  exploração da Base de Alcântara pelos Estados Unidos, mas desde que sejam feitas as alterações sugeridas por ele. "A posição da comissão não é derrubar o acordo, mas queremos ser ouvidos. Antes, os acordos internacionais eram enviados ao Congresso apenas para serem carimbados, mas isso mudou", destaca.
O deputado lembra que formou uma subcomissão informal, integrada por dois parlamentares governistas - Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) - e dois da oposição - Neiva Moreira (PDT-MA)) e Waldir Pires (PT-BA)-, e o texto foi rejeitado por unanimidade. Depois da votação na Comisso de Relações Exteriores, o acordo tem de passar ainda pelas comissões de Ciência e Tecnologia e de Constituição e Justiça, antes de ir ao plenário.

Tecnologia no será repassada ao Brasil

O acordo entre o Brasil e os Estados Unidos, permitindo o lançamento de satélites de empresas norte-americanas a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, foi assinado no dia 18 de abril de 2000 e enviado ao Congresso Nacional um ano depois. Um dos objetivos do acordo, classificado como de salvaguardas tecnológicas, é garantir que a tecnologia dos satélites dos EUA não será repassada ao Brasil.
A previsão do Governo brasileiro é que o centro renda ao país até US$ 30 milhões anuais para investimentos em pesquisas espaciais. A base pode realizar 14 lançamentos por ano. Para ser usada comercialmente, porém, depende de obras de infra-estrutura, como a ampliação de um porto (para receber os foguetes, que são transportados por navio) e a construção de uma estrada, no valor de R$ 40 milhões. Entre 2001 e 2005, está previsto o envio ao espaço, a partir de Alcântara, de 60 satélites norte-americanos, que deverão ser colocados em órbita por um consórcio que envolve ainda Ucrânia e Itália. Segundo o Governo, a operação comercial da base criará 2.500 empregos no Maranhão. No entanto, o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para ser efetivado.
Lançar um foguete de Alcântara custa até 30% menos em combustível do que nas demais 17 bases espalhadas pelo mundo. Isso por causa da proximidade do município da linha do Equador - o que aumenta o impulso da rotação da Terra sobre o foguete. Em comparação à  base norte-americana na Flórida, um lançamento a partir de Alcântara representa economia de 15%. O centro brasileiro já atraiu o interesse de oito das 15 maiores empresas de satélite do mundo, e a expectativa do Governo brasileiro é trazer para o país 10% dos lançamentos mundiais.
O município de Alcântara tem cerca de 200 mil habitantes e fica na Amazônia Legal, na Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses, a 20 quilômetros da capital do Estado, São Luís. A base de lançamento tem 620 quilômetros quadrados e funciona há oito anos, consumindo cerca de US$ 300 milhões por ano.

Rafael Paixão
Fonte: Hoje em Dia <http://www.hojeemdia.com.br/hojedia>
Enviado por: Fernando Tanajura Menezes

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