Coerente com minha repulsa à "indignação seletiva"
- dependendo da natureza das vítimas ou da identidade dos perpetradores-,
quero manifestar minha total e inequívoca condenação do
horror que teve lugar nos EUA. Como um palestino que, por 12 infindáveis
meses, testemunhou o bombardeio diário das cidades, aldeias e campos
de refugiados palestinos, minha simpatia hoje se dirige inteiramente às
vítimas dessa ação vil.
Tendo presenciado uma cascata de funerais diários, compreendo e partilho
da dor de suas famílias e amigos. Tendo participado do pedido não
ouvido de proteção internacional e de observadores internacionais
na Palestina e tendo advogado uma solução imposta pela comunidade
internacional, baseada na legalidade internacional, eu sinceramente desejo que
o direito internacional somente ele guie as decisões dos
EUA. Num momento em que a globalização tornou-se uma realidade
inegável e irreversível, princípios universais e os mais
elevados padrões possíveis devem ser estabelecidos e observados
por todos.
Infelizmente não é esse o caso. Nesses dias trágicos, ouviremos
falar mais de vingança, retaliação e choque de civilizações,
em vez de um debate racional sobre por que tais atrocidades encontram voluntários
para perpetrá-las. Tenho explicado com frequência que o modo como
o conflito israelo-palestino e o status de Jerusalém são abordados,
manejados ou mal manejados, afetará as relações não
somente no nível regional, mas também no nível global.
Se há uma única humanidade ou se há diferentes espécies
de homens e mulheres não é uma questão retórica
ou polêmica. Desde a eclosão da tragédia palestina, o mundo
árabe e muçulmano teve a impressão da total insensibilidade
ocidental a seu sofrimento. As "façanhas" que levaram à
despossessão e à dispersão do povo palestino foram bem
recebidas pela opinião pública ocidental dominante com admiração,
aplauso e foram consideradas, algumas vezes, até "miraculosas".
Inclino-me a crer na inocência de Deus, mesmo que o projeto sionista tenha
sido apresentado como uma "missão divina para um povo eleito sobre
uma terra prometida".
Fomos inundados com propaganda maciça sobre o deserto tornar-se verde,
mas ninguém deu-se ao trabalho de responder a questões morais:
no nome de que coisa e desde quando o fato de plantar uma árvore justifica
o desenraizamento de um ser humano? Desde quando o fato de plantar uma floresta
justifica o desenraizamento de um povo?
Israel ainda aborda o tema dos refugiados palestinos com o maior desprezo e
desdém. Seu possível retorno é visto como uma ameaça
à natureza judaica do Estado. Mas ninguém em sã consciência
levará esse argumento à sua conclusão lógica de
que os refugiados palestinos foram precisamente expulsos de seus lares com aquele
propósito em mente. Desde o começo, houve tentativas bem-sucedidas
de trivializar e banalizar a tragédia palestina, como se as vítimas
palestinas fossem desprovidas de pai, mãe, filhos, face... e valor.
Nunca comparei a Naqba ao Holocausto. Minha convicção tem sido
sempre que não há necessidade de comparações e analogias
históricas. Nenhum povo tem um monopólio sobre o sofrimento humano
e cada tragédia étnica sustenta-se sobre si mesma. Se eu fosse
um judeu ou um cigano, a barbárie nazista seria o evento mais atroz da
história. Se eu fosse um negro africano, seria a escravidão e
o apartheid. Se eu fosse um americano nativo, seria a descoberta da América
pelos exploradores e colonos europeus. Se eu fosse um armênio, seria o
massacre praticado pelos otomanos. Sendo um palestino, para mim é a Naqba/Catástrofe
de 1948.
A humanidade deveria considerar todas essas catástrofes repugnantes.
Não acho certo debater hierarquias de sofrimento. Não sei como
quantificar a dor ou medir o sofrimento, mas sei que não somos filhos
de um Deus menor. Nos EUA, há um debate sobre se os ataques do dia 11
resultarão em isolacionismo, unilateralismo ou intervencionismo. A política
americana para o Oriente Médio tem sido a mais intrigante. É a
única superpotência restante, ainda assim, em nossa parte do mundo,
parece que ela abdicou de seu papel para beneficiar só seu aliado regional,
Israel, o qual protege incondicionalmente na ONU e em outras partes.
Os EUA estão comprometidos com a existência de Israel, mensagem
que todo mundo entendeu há décadas. É preciso também
endossar o apetite territorial e as inclinações expansionistas
de seu protegido regional? Perdoar sua repressão feroz de nosso grito
por liberdade do cativeiro e da servidão?
A sociedade americana é uma nação de nações.
No sistema internacional da atualidade, o não-alinhamento em conflitos
regionais deveria ser a característica da política externa americana,
porque o alinhamento com as preferências de um dos atores beligerantes
resulta não somente em antagonizar outros agentes regionais, mas também
a alienação de um componente de seu tecido nacional doméstico.
Em suas memórias, o ex-secretário de Estado dos EUA Dean Acheson
disse que a Carta da ONU foi uma versão condensada da filosofia política
americana. Espero que os EUA reconciliem o seu poder com os seus princípios.
Afif Safieh (*)
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(*) Embaixador palestino para o Reino Unido e para a Santa Sé
Enviado por: Márcia Maia