A política do crime

    Inútil especular sobre a verdadeira motivação dos assassinatos de Antônio da Costa Santos e Celso Daniel. As próprias investigações perderam credibilidade após destruição de provas, chacina de suspeitos, confissões fajutas e outras cabeçadas.

    Dizem que o governo federal preferiria adotar uma abordagem política, poupando a calamitosa violência urbana que indigna a população. Mentira. As ações governamentais, desde os primeiros momentos, exibiram uma flagrante tentativa de forjar crimes "comuns", despolitizando-os a todo custo. As versões oficiais (apaziguadoras, por incrível que pareça) oscilam entre bandoleiros sanguinários, fanatismo troglodita e engano bizarro.

    Fossem suas as irreparáveis perdas, PSDB e PFL imediatamente abraçariam o papel de vítima, hoje negado ao PT, e acusariam qualquer grupo obscuro de conturbar a transição democrática. Talvez até aparecessem umas camisetas no cativeiro. Mas, quando se extermina lideranças do maior partido de oposição a meses das eleições nacionais, para as autoridades ocorreu uma espécie de coincidência infeliz, mergulhada na abstração estatística das tragédias contemporâneas, pobres de nós.

    A omissão pouco tem a ver com o resultado dos inquéritos e, embora seja sintomática nos casos atuais, não se resume a vítimas petistas. É típica de um enfoque rasteiro dado à criminalidade, calcado nessa falácia de que ocorrências "corriqueiras" não possuem, por definição, propulsores de ordem sócio-política. Desde que a simplificação pareça conveniente, invasões de terra, policiais corruptos, seqüestros de famosos e o Comando Vermelho representam o mesmo banditismo onipresente. Portanto, o fuzilamento de alcaides, "comum", não merece enfoque privilegiado.

    O desvio de responsabilidades virou estratégia eleitoral. Oculta-se até em campanhas publicitárias bem-intencionadas, que ora nos relegam à condição de vítimas passivas, pedindo trégua a inimigos invisíveis, ora acusam o cidadão (o lesado) de produzir dengue, poluição, crianças famintas e asilos podres.

    Desmoralizados os meios institucionais para lidar com as mais primárias adversidades, unamo-nos acima das diferenças. Somos todos bons, já que os maus se escondem no vazio pernicioso onde o Estado não chega. Então clamemos por "justiça", para que, algum dia, esta palavra ganhe sentido.

  


Dois comentários sobre o terror

    Mesmo quando atingida por atrocidades lastimáveis, a opinião pública ocidental evita discutir a absurda covardia dos ataques a civis de qualquer nacionalidade. Impera uma sórdida omissão perante as vítimas alheias, confundindo solidariedade com ignorância, como se um debate sério só fizesse amenizar ou justificar a catástrofe dos ricos.

    Os EUA usaram Saddam Hussein e suas armas químicas na brutal guerra de 1980-88 contra o aiatolá Khomeini; financiaram mercenários na Nicarágua, em Angola e em toda a Ásia, inclusive Osama bin Laden e o nefasto Taleban; tiveram obscuro papel nos horrores do Burundi, de Ruanda, do antigo Zaire e do Sudão; legitimaram dezenas de ditaduras desde os anos 70, acatando o recente assassinato de Moshood Abiola, eleito para suceder o general nigeriano Abubakar; atacaram inocentes no Vietnã, em Granada (1983), na Líbia (1986), no Panamá (1989) e no Iraque (desde 1991). Um terço da população mundial vive sob embargo americano, estratégia que fortalece governos totalitários e extremistas, com danos inimagináveis às populações: desemprego, prostituição e miséria generalizados, infra-estrutura destruída, falta de comida e remédios.  Esse retrospecto simplista apenas sugere que jamais conheceremos a verdade sobre o terrorismo. As investigações são controladas por instituições cuja ineficácia chegou ao limite - um imenso poderio bélico e tecnológico permitiu transações financeiras, reuniões e contatos por telefone e Internet para organizar atentados que foram de Dar Es-Salaam, na Tanzânia, ao coração do capitalismo em apenas três anos.

    Imprensa, governos e contribuintes precisam de soluções rápidas e plausíveis. Se o FBI obstruiu o acesso público às investigações do atentado em Oklahoma, podemos imaginar como agiu ao ser desmoralizado por alguns fanáticos usando estiletes. Infelizmente, a "guerra contra o terrorismo" é uma vaga resposta ao medo, associando-o à riquíssima cultura islâmica, que abarca 25% da Humanidade. Oportunidade para a Otan bombardear regiões inóspitas e miseráveis, ônibus, trens, colunas de refugiados, creches e hospitais.

    A polaridade entre anti e pró-americanos, que já municia o patrulhamento besta, logo será usada para justificar ações na América Latina. Talvez então enfrentemos os fatos sem a máscara da cumplicidade servil.

Guilherme Scalzilli

Fonte: Revista Caros Amigos, outubro de 2001
Enviado pelo próprio autor

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