A VELHA
O que pedem suas mãos, velha? O que elas querem que ninguém te dá? Mãos ressecadas, enrugadas, pedintes acostumadas... Querem pão? Dó ? Perdão? Perdão pelo que entendem ou pelo que nunca entenderão?
O que pedem seus olhos, velha? Há anos sem brilho, sem força, sem vida... a testa franzida torna-os menores. Pequenos diamantes nunca lapidados. Desbotados. Angustiados.
O que pede essa boca, velha? Engana-se quem pensa que foto não fala, fração de tempo congelado e mudo. O que falas, velha? O que ainda esperas conseguir?
Onde estarás agora, velha? Na escuridão de Kabul? No norte, no sul? Muda ou falante em terras agonizantes? Em casa, caverna, fronteira? Despedaçada ou inteira ?
Velha, estás na terra da guerra!
Que começou agora, faz apenas 1 hora.
Não foi por falta de aviso. Há dias ela espreitava cada casa, cada aparelho de tv ou rádio ligado, cada jornal, revista ou portal.
Há dias virou a sombra de cada jornalista, professor, dentista, engenheiro, ambulante, advogado, estudante, médico, cabeleireiro, militar, carrinheiro, alguém, zé-ninguém...
Virou tema de conversa de bar. Como algo sem volta, fadado a chegar. E chegou a guerra.
Onde estarás, velha? Teus sonhos explodem em meio ao bombardeio.
Meus sonhos se negam a acreditar ser verdadeiro. Que veio! Inevitavelmente veio!
Chegou nesta tarde de domingo ensolarada.
Velha, não podes ver este sol.
Coitada.