Como se andássemos no escuro, tateando, descobriu-se que o Brasil
tem 30 mil menores infratores. São adolescentes que cumprem medidas
socioeducativos em nossos diversos estados , com as seguintes características,
segundo dos oficiais do Ministério da Justiça: 7.664 estão
internados em regime fechado (como no Instituto Padre Severino, na Ilha
do Governador); 2.555 em regime provisório; 1.393 em semiliberdade
e 19.099 em liberdade assistida, que ninguém sabe direito do que
se trata, pois é fácil observar que eles voltam às
ruas para os mesmos delitos, pois não há cuidados especiais
do Estado com as causas que motivaram esse comportamento.
Os próprios policiais que os prendem afirmam que não há
o que fazer. Quando são "di menor", logo serão liberados.
o discutível Estatuto da Criança e do Adolescente assim determina.
A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, batizada de Estatuto da Criança
e do Adolescente, foi inicialmente vista, nos seus 267 artigos, como de
natureza avançada. Tirando o poder dos juízes, no entanto,
aumentou as situações de risco dos menores. Foi dado um poder
excessivo aos Conselhos Tutelares, eleitos pelo voto popular, mas ainda
não de todo regulamentados.
Não há medidas que funcionem contra menores de 12 anos, que
hoje constituem a preferência dos traficantes, pela garantia de impunidadde.
Dados oficiais revelam que, só no Rio, 1.060 crianças de
8 a 12 nos trabalham no tráfico, sendo 251 com armas. Fora os milhares
de "olheiros", "fogueteiros" e "aviões". Cerca de 12 jovens de 8
a 18 anos, na Região Metropolitana, trabalham nos 377 pontos de
venda de drogas.
Como era de se esperar, São Paulo lidera o número de jovens
infratores (tem maior população). Conta com 3.708 internados
e 16.461 assistidos. O quadro do Rio não deixa de ser assustador:
2.770 jovens assistidos, sendo 936 em regime fechado, 97 com internação
provisória, 654 em semiliberdade e 1.083 em liberdade assistida.
Em nossa opinião, se houvesse um aperto geral, esses números
poderiam facilmente chegar no mínimo ao dobro.
O setor trabalha com verdades inquestionáveis. Denise Paiva, diretora
do Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério
da Justiça, afirmou que, "salvo raras exceções, a
internação de menores no Brasil é 'vestibular' para
o presídio." Há uma falta gritante nas políticas públicas
que têm sido estabelecidas, como os contrastes trombeteados pelo
próprio governo: "Temos 60 milhões de crianças e adolescentes
nas escolas.
Esta é a parte estatística do problema. Quantos desses jovens
permanecem nas escolas e quantos deles só aparecem duas ou três
horas, diariamente, ficando com o testo do tempo disponível para
ações anti-sociais? Um dos segredos martelados por Anísio
Teixeira, há décadas, era a necessidade de tempo integral
nas escolas, no mínimo seis horas; mas cadê os pomposos projetos
bolados por governos que deram grande apreço à pedagogia
do concreto? Nosso maior drama reside na formação, no estímulo
e na remuneração condigna dos nossos professores e especialistas.
Aí é que está a chave da questão — e não
em prédios vistosos.
No
Rio de Janeiro, com suas mais de 700 favelas, há cerca de 1.200.000
pessoas vivendo em áreas dominadas por traficantes. Se a polícia
é notoriamente ineficaz, pode-se concluir que vivemos um Estado
de direito à meia bomba. Todos somos reféns do medo. Em tais
comunidades referidas, o silêncio é a companhia constante
de seus moradores. As pessoas sabem que, se falarem algo, podem ter a vida
sacrificada. Assim se vive, na capital cultural do país, no início
do esperançoso Terceiro milênio.
A TRISTE REALIDADE DA SALA DE AULA
Comemora-se,
falsamente, o aumento do número de alunos no ensino médio
brasileiro. São quase 9 milhões, espalhados pelo nosso imenso
território. Mas a nossa a aflição se refere especificamente
às qualidade do que se ministra, nas salas de aula, em especial
as do complicado ensino noturno.
Uma publicação feita pelo Instituto Fernand Braudel de Economia
Mundial é bastante sintomática. Pegou o diário de
classe da aluna de 17 anos, Sandra da Lux Silva, da terceira série
de uma escola estadual do bairro de Capão Redondo, na periferia
da Zona Sul de São Paulo, e registrou suas angústias, suas
dúvidas, a revolta pelas condições da classe, um triste
retrato da realidade de tantas outras escolas públicas do nosso
país.
Os fatos aqui reproduzidos referem-se ao ano letivo de 2001. O número
de alunos da sala de aula: 48. Uma constante, nas anotações
da jovem Sandra: a falta de professores. Por diferentes motivos. Química
e Física, as preferenciais. A terrível verdade, expressa
por um aluno: "Aqui ninguém fuma, só cheira!".
Já na frase conclusiva do ensino médio, a professora perguntou
à turma, quando a bagunça generalizada permitiu, o que era
uma dissertação. Ninguém soube responder. "os alunos
não fazem outros cursos, a escrita é péssima, ler
então, nem pensar. O sonho é serem cantores de pagode ou
rap." O que isso tem a ver com as bombas que são explodidas sistematicamente
no pátio, ninguém sabe explicar. Talvez a intenção
seja só de assustar.
Se a professora de Português insiste nas aluas de Literatura é
um desperdício de tempo. "Ninguém entende nada. Também
ninguém presta atenção." Atenção mesmo
só quando há festas, com muita música, ou campeonatos
internos de futebol. Há mais disputa e mais briga também.
Sem que os professores possam intervir.
O professor de História gosta muito de trazer novidades que obrigam
os alunos a usar o cérebro. Naquele dia, trouxe cópias xerox
da proposta de um deputado do PT sobre cotas de estudantes das escolas
públicas para ingresso nas Universidades oficiais. Isso foi muito
discutido em classe. O tema era de interesse de todos. Na aula seguinte,
foi a mesma coisa.
Durante a aula de Química, a professora é inteiramente dominada
pelos alunos. O barulho é infernal. Um aluno chega a xingar a professora
e berrou que "o seu diploma foi comprado!". No dia seguinte, diz
Sandra, "a minha vontade de ir à escola era mínima. Com um
clima daqueles..."
O comentário geral na escola é de que o ensino público
está em decadência. As faltas dos mestres são sucessivas
e descaradas. louve-se a professora de inglês, que resolveu dar uma
aula diferente, com música. Não deu certo: todas as tomadas
da sala estravasam queimadas. Deveres de casa? Só 10% dos alunos
costumam fazer. Pais e mães de bagunceiros não comparecem
à escola, nem quando são chamados pelo diretor. Não
se interessam pelos filhos.
Este é o quadro de um sala de aula típica, a que se deve
acrescentar um grande interesse quando o assunto entre alunos é
sobre a compra de munição para revólveres de todos
os calibres. Qual será o futuro dessa gente?
Arnaldo Niskier
Do livro: "A Educação da Mudança",
Col. Austregésilo de Atayde, Academia Brasileira de Letras, 2003.
Enviado pelas própria entidade.