ESTUPIDEZ ARMADA

A evolução da humanidade sempre esteve diretamente associada à subversão da ordem natural.

Antes que alguém interprete essa afirmação fora do contexto é necessário comparar a evolução da civilização com o mundo animal: A "Lei da Selva" é natural e compreensível nesse meio - Lutamos, até, para restabelecê-la, contra nossos atos predatórios! -, mas é inadmissível no meio humano. Daí a necessidade de subvertê-la, pelo uso da razão, mas também da sensibilidade.

A evolução, portanto, é um processo de superação das limitações naturais e deficiências físicas. O problema, então, não é o emprego da razão, mas seu mau emprego.

O filme "2001: Uma Odisséia no Espaço" ("2001: A Space Odyssey", 1968) tem uma cena emblemática: Um grupo de hominídeos é expulso de uma lagoa por outro, fisicamente superior. Lei da Selva. Posteriormente, pela recém adquirida racionalidade, o grupo expulso, sedento e inconformado, realiza que o uso de uma "ferramenta" potencializava uma forma diferente de força, muito maior que a natural. Retornam, então, à lagoa e com suas clavas ósseas enfrentam e matam um dos mais fortes; com isso, intimidam e expulsam os invasores.

"Lei da Selva", "Lei da Volta" ou vitória da razão? Depende, pois o mais civilizado, teoricamente, seria o consenso de que havia água para todos, que poderia ser tranqüilamente compartilhada. Mas a espécie humana ainda estava em seus primórdios, engatinhando, embora já sobre dois pés. Considerando as atitudes de alguns seres humanos, voltou à fase quadrúpede, quando não rastejante...

A partir daí, a evolução da engenhosidade humana permitiu que sobrepujássemos os obstáculos da natureza e nossas próprias limitações, para suprir nossas necessidades. Foram várias idades, várias descobertas: pedra lascada, metais, substâncias, átomos... Só que, para cada nova descoberta construtiva, uma legião de estúpidos, ávidos de poder e lucro, estabelecia formas destrutivas para seu uso.

Mas como os estúpidos chegam ao poder? Pela violência física, psicológica e religiosa. Nesse extenso rol de deturpações oportunistas e convenientes, os preconceitos, o poder bélico e a intransigência têm lugares de "honra".

A violência, aliás, sempre foi a solução preferida pelos estúpidos e a História é pródiga em exemplos de: escravidão, amputações, chacinas, massacres, guerras e genocídios. Só que da mesma forma que existem os estúpidos históricos, também não faltam os exemplares cotidianos.

Uma arma nas mãos de um ser humano incorpora o mesmo maniqueísmo que persegue a humanidade, desde de sua origem: nas mãos de uns parecem proteger ou evitar que a violência os constranja, enquanto que nas mãos de outros são instrumentos de multiplicação dramática da capacidade de intimidação e opressão! Em qualquer dos casos, qualquer descuido pode provocar desastres de proporções pessoais, familiares, públicas ou mundiais.

Defender a vida é natural do ser humano; mas ameaçar a vida de inocentes, por qualquer que seja o motivo, é a mais pura manifestação da estupidez humana, em seu estágio mais primário e desprezível. E a engenhosidade humana, a serviço da irracionalidade, tem criado armas cada vez mais sofisticadas, para que estúpidos: governantes de grandes potências, líderes de fanáticos ou "simples" marginais, as utilizem para impor suas condições unilaterais: "- Façam o que eu mando!", "- Passa a grana!", "- Tira a roupa!", "- Seu petróleo é meu!", "- O mundo é meu!"...

Hoje, por um módico preço, em vez de acertar com o fêmur de uma anta na cabeça do oponente; qualquer anta pode esfaquear, alvejar, explodir, contaminar ou, simplesmente, pulverizar seus adversários, sem o inconveniente de ver a expressão de seu rosto ou ouvir seus gritos e súplicas; embora alguns não dispensem e, até, gostem desses pormenores, como nos videogames...

A inteligência torna-se - involuntária ou perigosamente desviada - instrumento de perpetuação da violência e da estupidez, pois se coloca ao serviço de seus interesses escusos. A vida - própria e dos outros - perde valor, numa escala de valores que coloca o ser humano em último lugar, pois a primeira vítima da violência é a sanidade!

Paradoxalmente, quem ameaça com uma arma pode alegar legítima defesa, quando enfrentado, e transferir a culpa para a vítima!

É óbvio que enfrentar uma arma não é racional, mas ser refém do medo não é uma sensação natural nem agradável. Depois da sede, da fome e da tortura, talvez não haja maior agressão ao ser humano do que a sensação de impotência perante a violência. E assim, sem freios, a violência amplia seu leque de vítimas inocentes, de intenções cada vez mais dolosas, que tornam a "Lei do Mais Forte" superior a qualquer exercício de lógica.

E esse é o quadro que nos é apresentado todos os dias, na mídia e nas ruas: Criminosos bárbaros, sádicos e inconseqüentes; e cidadãos estupefatos, amedrontados e indefesos.

Cidadãos? Parece que só são tratados como tal na hora de recolher impostos e em época de eleições. Seus protestos e mobilizações ainda correm o risco de serem tratados e reprimidos como atos de desobediência civil...

Assim, um momento de felicidade, o sucesso financeiro, a beleza feminina, o caminho para o trabalho ou um simples passeio pela rua podem ser o prólogo de uma tragédia.

As feras estão soltas, em todos os escalões da estupidez humana. Estão equipadas, "motivadas", experientes, bem assessoradas, eficientes e impunes em seus atos. O cidadão civilizado teme, se esconde ou paga para transitar pelo que paga para existir, e ainda é responsabilizado pelos crimes que sofre: "- A culpa é da sociedade!".

Ora, se a culpa é da sociedade, então ela já está exageradamente punida, com a perda do fruto de seu trabalho, liberdade e, às vezes, da própria vida. O mesmo não se pode dizer sobre os criminosos: dos "pés-de-chinelo" (se é que ainda existem, após a banalização da modalidade: roubo de tênis...) aos "social e politicamente" cortejados e bem situados pelas elites.

Resta-nos saber: Quando teremos nossos: hábeas corpus, sursis, defensores competentes, julgamentos justos, liberdade condicional e reintegração ao mundo civilizado?

Adilson Luiz Gonçalves

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