Nas ruas de Queimados e Nova Iguaçu

Não há como não se horrorizar ao olhar mais de trinta corpos de Queimados e Nova Iguaçu Na Baixada, o retrato do velho tráfico no passado a expor a carne que chegava pelo mar no presente cidadãos de segunda classe expostos nas bandejas do IML, mal cobertos por brancos lençóis a deixar exposta a cor da exclusão. Não há velas, não há oração, não há explicação. São corpos, carnes expostas no mercado, averiguadas por policiais dentre os quais aqueles que se arrogam o direito de matar a esmo crianças, mulheres, adolescentes, operários.

Não há o que poetar, não há poesia nesse quadro Não pode haver poesia no choro desesperado dos desamparados pela esquerda, pela direita, pelo centro, pela extrema esquerda, pela extrema direita, pela IURD, pelas catedrais, pela extrema vergolha de ter ainda no século XXI, no país de um futuro que nunca chega, de lutar por direito básicos, com cem anos de atraso.

Eu me envergonho de viver e ver essa violência puta, descarada a me esfregar na cara que somos capazes de assistir passivamente pessoas abatidas a tiros feito caça, à revelia e ainda acordar pela manhã.

Eu me envergonho de viver em um tempo que fala de Deus e que mata mendigos à paulada na rua. eu me envergonho. Essa é a minha única prova de humanidade.

Marcos, quinze anos, Marcelo dezesseis, Francisco trinta e quatro Marco trinta e sete, João cinquenta e três, Vágner de vinte e cinco Márcio um ano a mais e Luiz, vinte e sete, Fábio tinha vinte e nove Renato com 32 e Calupe 64 anos. José tinha a idade de Márcio e Róbson trinta e sete Douglas, só 14, meu Deus! E Jonas tinha 19. De César e Rafael nem a idade sabemos. Também busco atenta, quase em desespero, o nome da criança de sete anos, das esposas mortas, das mães, daquela que tinha um amor, um sonho, uma dor.

O que faço com esta lista de matrícula da violência explícita, puta, descarada que mata, trabalhadores, estudantes, donas-de-casas e até a minha criança indeterminada de sete anos?

Nos jornais acompanhamos o passo a passo das matanças sorvemos os nomes das ruas que recolheram o sangue do sacrifício Registrados, também, estão os nomes e sobrenomes dos delegados que assistem, conferem, arquivam o espetáculo da morte. Há mapas, infográficos, todos ilustrativos e os políticos que ascendem à primeira página.

Basta. Meus olhos cansados buscam menos desgraça. Querem vergonha na cara, punição aos animais fardados, engravatados, ensaboados, regados a vinho e caviar nas festas do Palácio, empurrando com a barriga, pra debaixo do tapete a miséria brasileira das valas comuns, dos camburões tráfico negreiro, das filas dos hospitais, da favela escura e entregue a chefes do Comando Vermelho. Todos consomem meus impostos e nos impõe a morte.

Basta. Não há como fazer poesia dessa crucificação diária, de tantos Molochs, de Hitlers, Stalins contemporâneos. Chega de Vigário Geral, Candelária, ônibus sequestro, rebelião das senzalas-prisão Não quero mais explicação, não quero mais a espetacularização teatralizada, regada à sangue e indignidade, a discurso vazio recheada de imobilidade, de acomodação. Eu não quero explicação nenhuma. Eu sou, vivo e morrerei envergonhada.

Frô
(09/04/2005)

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