fui, sem dúvida alguma, o reimoleque da pelada. ninguém jogava como eu, silvo luís caixeiro, quando o jogo era uma pelada lá no campinho, com a bola no pé, eu dançava, eu cantava, eu escrevia, eu quase gozava, porque não gostava muito de fazer o gol, sempre, depois de driblar quase todo o time adversário, e até mesmo os parceiros do mesmo time, e depois de ter passado a bola debaixo das pernas do goleiro, eu, ao invés de fazer o gol, voltava com a bola, e quase fazia gol contra o meu próprio time, o que gerava a raiva de todos, que só queria brincar, e futebol pra mim sempre foi uma brincadeira, de modo que jogar bola quase nunca era gozar rápido, mais esfregar, preliminar, ir e vir pelo prazer corporal de ir e vir, com a bola no pé, a gravitação levitante de meu corpinho sobre a bola do planeta, e o jogo pelo jogo, de ser empurrado, de ser faltado, de ser perseguido, de ser puxado, de ser por ser, evitando o máximo a possibilidade da necessidade necessária de fazer o gol, morrendo no gozo do final do jogo, que o gozo vital era durante
tinha um problema qualquer comigo, que me deixava muito triste: durando via-láctea na boca, nunca conseguia jogar futebol, quando o jogo tivesse cheiro de oficial, quando era de algum campeonato da escola, ou quando a gente tivesse que vestir uniformes de times, eu jogava nada nessas situações, sequer conseguia pegar na bola e, quando pegava, era pra fazer uma bobagem qualquer, passar a bola pro adversário, num passe errado, e tentar driblar e perder a bola, era um desastre
fui percebendo, assim, que definitivamente estava fadado a ser um gauche quando as situações exigissem formalidade, seriedade, e compromisso institucional, porque sou o melhor jogador de pelada do mundo, e nada mais, sem os focos dominicais das carreiras oficiais, das vitoriosas autoridades municipais, estaduais, federais e universais: um fora da trama do mesmo
Luís Eustaquio Soares