O melhor time do mundo
Em livro editado pela Cosac Naify, Jorge Viveiros de Castro faz o relato de um campeonato escolar no qual o que está em jogo, mesmo, é a amizade.
Primeiro tempo
O time da gente é sempre o melhor time do mundo. Mesmo que não seja, é. Mesmo quando vai mal das pernas não se dá o direito a qualquer um de vir falando mal. De forma alguma. E o time que a gente joga também é o melhor time do mundo, mesmo o da pelada. Mesmo não, principalmente o da pelada. Outro dia o Júnior, lateral-esquerdo-ala do time do São Paulo, declarou que o time do São Paulo era melhor que o do Barcelona. Debocharam da frase do sujeito. Pode até não ser, mas é. É o time dele, o que ele joga. E aí, qual o problema? Em futebol não se exige tanta correção, coisa de amor, paixão, desvario, não se pode exigir tanto controle. Correção sim, em quem dirige o troço, organizar as coisas, mas aí é outro nó, outra questão, buraco grande demais, problema do país inteiro em todas as suas esferas.
Pois, e pois. Assim, Jorge Viveiros de Castro, autor do belíssimo livro De Todas as Únicas Maneiras, publicou pela Cosac Naify, uma conversa em prosa juvenil intitulada O melhor time do mundo. Livro ligeiro, como aqueles da antiga coleção Vagalume, histórias sentidas na alma para fincar registro que o tempo vai passando tenso, logo, e que é preciso fazer a vida andar com ele. Jorge conta a história de uma turma de amigos, ou de várias turmas de amigos, numa escola sem nome, entre a quinta e a oitava séries, disputando, ao longo do ano, um campeonato de futebol, de salão, ou este nome horrível que agora inventaram, futsal (inda bem Jorge nem usa estes nomes, futebol é futebol, não interessa o piso).
É um livro que me fez lembrar a questão central do cinema de Abbas Kiarostami: a amizade. Porque Jorge aponta que futebol, antes de mais nada, é um lugar (na expressão mais afetiva que a palavra lugar registra) para se fazer amigos. Lembrei, também, as famosas histórias em quadrinhos de Dico, década de 1970-1980, jogador do time do Estrela, um canhão na perna direita, que também eram pautadas por este mesmo tema, o da amizade. O livro é habilidoso como a sua personagem-craque, Lazlo, o Gringo, filho de um diplomata húngaro e afetivo como sua personagem-quase-protagonista Paulinho, o Aranha-Negra, que é uma sobra, aquele que termina indo jogar como goleiro porque é péssimo com a bola nos pés, acaba gostando e vai fechando o gol. A amizade entre Paulinho e Gringo é o ponto da conversa. Mas protagonista mesmo, em livro sobre ou a partir do futebol, diria Nelson Rodrigues, é a bola.
Muito legal ir acompanhando a forma com que Jorge desenha o campeonato, sem perder a contagem dos pontos, e desenha, também, a participação dos times, sem criar tantos embaraços, para não ficar óbvio quem será o campeão. Depois e entre, os namoricos da adolescência, as disputas em sala de aula, a hora do recreio, as brincadeiras de péssimo gosto, mas sempre levadas com humor e galhofa e sem nenhum rancor. Talvez Jorge recupere um mundo do futebol em que o melhor time do mundo, a zebra do campeonato, o Zebrão (é este o nome do time), seja parte de um imaginário que só o tempo da escola tinha, um pouco como se fosse um outro futebol, uma outra escola, um outro sentido de mundo, uma outra humanidade. Sem saudade, sem ranço, sem dor, mas apenas outros, que talvez não sejam esses de agora.
Segundo tempo
Pra completar a idéia do livro de Jorge, O melhor time do mundo, que é esse, o que a gente torce, escolhe torcer, joga nele, etc, ouvi alguém dizer na tevê, por esses dias, era um alemão, que iria torcer pelo time brasileiro durante a Copa pelo simples fato de considerar este o melhor time do mundo. Creio, também, que tá na hora da gente, mesmo em se tratando de seleções, escolher por qual a gente quer torcer, até pelo simples fato de se tratar de futebol, e não de uma questão de nação, negócios, divisas, etc. Recuperar algo do futebol que é apenas o "fazer amigos", juntar as pessoas. Por outro lado, primeiro, em futebol, a gente escolhe torcer, quase sempre, para o time que vê ganhar mais campeonatos perto da gente durante um certo tempo de passagem, quase sempre o tempo da infância para a adolescência. Ali, nesta brecha temporal, se fixa uma relação amorosa e se carregará, muito provavelmente, este time até a falência da memória, ou o esquecimento do morrer. Segundo, os tempos são outros, maleáveis, as divisas e a própria idéia de nação se desfazem numa encruzilhada pantanosa. Nunca se viu tanta gente nascida em um país disputar a Copa por um outro como agora, por exemplo. Sinal dos tempos.
Eu, que cresci vendo minha mãe torcer pro Flamengo, e que menino me encantei com o time campeão do mundo de 1981, "o melhor time do mundo", e que atravessou toda a década ganhando tudo com Júnior, Andrade, Adílio, a genialidade de Zico e cia (já que estamos numa era de quadrados, cito, então, um verdadeiramente endiabrado. Esse aí que era uma espécie de Riobaldo, que mantinha lá seu pacto com o diabo e jogava num compasso de além mundo), continuo torcendo pra esta sobra penosa que virou o Flamengo e que a cada ano corre o risco de ir parar na segunda divisão. Mas é relação amorosa, e, como tal, é cega.
Assim, nesta Copa, provável, ao assistir aos jogos do time do Japão e perceber que Zico ensina o segredo do pacto aos seus jogadores (coisa que nosso burocrático técnico não é capaz de fazer, mesmo que Ronaldinho Gaúcho já saiba o pacto, e sozinho, numa tradição que vem de Pelé, Garrincha e Romário) eu acabe, feito aquele alemão lá, torcendo também pra um time que vai começar a jogar encantado por causa de Zico sentado no banco, o Japão, a zebra, o Zebrão.
Mamoel Ricardo de Lima