A Real Estética do Belo (Nocdaro)
No momento exato do calendário cósmico previsto pela nave, cheguei ao planeta terra. Era uma missão não muito importante da qual eu estava incumbido, uma espécie de missão de pesquisa de campo, aquele tipo de pesquisa de dados empíricos que nunca nos leva a nenhuma conclusão realmente importante. O objetivo dela era averiguar a tão afamada estética humana, ver se realmente era essa chamada estética a responsável por todos os eventos no planeta.
Foi só eu me disfarçar e pisar no solo do planeta, que comecei a compreender o que aquilo significava. Quanto mais colonizado era o lugar, mais manifestações pictóricas se apresentavam a minha frente: muitos cartazes coloridos, faixas com inscrições razoavelmente grandes e pessoas gritando, tentando convidar outras para comprar dos produtos que vendiam. Depois vi os programas de rádio, de televisão, filmes, rede virtual (¡finalmente os humanos criaram uma!). Até me perguntei, no meio de todo aquele alvoroço, como o ser humano, tão frágil, conseguia sobreviver por “tanto tempo”.
Mas, enfim, fui conseguindo subsídios para montar o meu relatório. ¡Na verdade, não estava nada difícil! A estética que eu procurava era visível em todos os lugares. Praticamente saltava aos olhos nas vias onde as pessoas se aglomeravam: os cartazes mostravam pessoas sempre magras e sorridentes vestidas com roupas sempre parecidas, ao lado de algum emblema ou objeto; os escritos, apesar de curtos, ou faziam elogio a algo ou então davam alguma “ordem” de como viver para as pessoas (que sempre acabam por seguí-las); os apetrechos de transmissão simultânea (todos, inclusive a rede virtual) também só mostravam para as pessoas a maneira de como se deveria pensar e ser, mesmo que não diretamente; e, para esse encaminhamento, usava-se em tudo duas cores de propriedades hipnóticas.
A princípio, achei que essa técnica de manipulação pela estética fosse muito eficaz. Realmente é, mas não para manter a própria estética. Senti compaixão pelos terráqueos, por sonharem em atingir os ideais de estática e de perfeição, porém sem nunca os encontrarem.
Era este o conteúdo do que seria o meu relatório, se não tivesse presenciado algo que mudou tudo o que eu havia visto. Durante a pesquisa, vi várias vezes a menção de uma competição que estava mobilizando pessoas de todo mundo. Mesmo com o trabalho praticamente pronto, e minha curiosidade não me deixou sair do planeta. Camuflei a nave e me levei até o local onde era a tal competição, fiz uma pequena pesquisa para entender o afamado esporte (chamava-se futebol) e arrumei modo para assistir um jogo (¡e da dita melhor de todas as seleções!).
Antes que o jogo começasse (tocam-se músicas que representam os países) observei os jogadores de ambos os times. Não sabia ainda qual dos dois times era considerado o “melhor”, mas eu estava imaginando de acordo com a estética terrena que havia conhecido no resto da pesquisa. Quando olhava para um dos times, a visão de um dos jogadores me fez ter certeza de que o melhor time era o outro. Ele estava em um pé totalmente contrário do que poderia ser considerado bom e belo no planeta. Os outros jogadores também (havia apenas uma exceção) mas aquele destoava, no sentido mal da palavra.
A partida começou. Por alguns momentos, fiquei atordoado: não conseguia compreender nada. Toda a energia daquele estádio estava dirigida para aqueles jogadores e parecia que vinha da vibração deles. Eu não compreendia, pois, de repente, aqueles homens totalmente fora da estética aclamada pelos terráqueos eram praticamente ovacionados pelas pessoas que assistiam (agora eu percebia: ¡eles estavam vestidos com aquelas cores hipnóticas!). Aos meus olhos, os que antes pareciam frágeis e lentos tornavam-se rapidamente fortes, rápidos, imbatíveis . No entanto, nada disso me deixou tão surpreso como a nova visão daquele jogador totalmente fora dos padrões da estética. Foi apenas ele começar a se mover com a bola que eu entendi qual realmente era o melhor time do mundo. As coisas que ele fazia tornavam-no uma outra entidade. E a maneira como ele fazia! Apenas a aura de felicidade e satisfação que liberava fazia dele belo. Não só belo: foi nele que pude ver um verdadeiro encontro de todos os ideais e virtudes em um ser humano.
Compreendi porque os moradores desse planeta gostam tanto desse esporte: ¡pois é nele que se esquecem os ideais estéticos e se encontra a verdadeira beleza no dito feio!
Conrado Borges