A bola torta
No início dos anos 70, após o Tri no México, eu me tornara um fanático por futebol. Jogava bola todos os dias. Quando não estava jogando, colecionava figurinhas de times ou jogava futebol de botão. Meu grande sonho era jogar no Santos de Pelé.
Nosso timinho era bom. Jogávamos com times de outros bairros e, mesmo sem muita organização, íamos bem. Tínhamos jogo de camisa e bolas, ganhos de um vereador. Dentre essas bolas, tinha uma torta: se fosse chutada à direita, ela desviava tanto que saía à esquerda. Vivíamos aprontando com essa bola. Nos divertíamos à beça.
Resolvemos participar de um campeonato, mas tínhamos dois grandes problemas: apesar de jogarmos bem, éramos todos moleques; e, talvez por isso, faltava conjunto. Convidamos para técnico o Inocêncio que, na década de 50, havia sido um grande goleiro e jogara no Palmeiras.
O Nô nos ensinou sobre tática, como chutar a gol e, principalmente, bater faltas: “Ótima oportunidade de gol”.
É claro que não resistimos a pegá-lo com a bola torta. Ele, apesar sério, tinha senso de humor e rimos muito com isso.
Mas o que mais aprendemos com o Nô foi como jogar bola de verdade, sem fazer faltas ou reclamar do juiz. Ensinamentos sobre ética e caráter que carregamos por toda vida. Com ele, descobrimos que o mais importante era jogar e ganhar seria conseqüência disso.
E funcionava! Apesar de todas as dificuldades, contra adversários maiores e violentos, fomos ganhando quase todos o jogos, até chegarmos à final do campeonato.
A final era contra o Caiçara. Por terem feito melhor campanha, jogavam em casa pelo empate. Como em todo campeonato, tínhamos uma grande desvantagem por fazer poucas faltas. A salvação era o Marolla no gol que, apesar dos 13 anos, fazia defesas incríveis. O difícil mesmo era jogar contra o juiz que roubava descaradamente: tinha anulado dois gols nossos, não marcou um pênalti e deixava o time deles meter o pé a vontade.
Assim, com o juiz impedindo o nosso time de marcar gols e o Marolla pegando tudo, o jogo caminhava para terminar em 0 x 0, quando, aos 44 do segundo tempo, o Nandinho recebeu uma bola, driblou um, dois, três e foi derrubado dentro da área. Pênalti! Não, não podia ser: o juiz estava marcando fora da área. Foi um briga geral. Até o Nô, que era a calma em pessoa, perdeu a paciência e entrou em campo para discutir com o juiz. Antes de sair, pôs a bola em minhas mãos e, apontando para a Bandeira do Brasil, atrás do gol, à direita, disse:
- Mira na Bandeira e chuta forte.
Ao pegá-la, entendi: era a bola torta. O filho da mãe não estava bravo nada, havia entrado em campo apenas para trocar as bolas.
Tomei distância e, como ele me dissera, chutei forte. A bola ia pra longe do gol, mas, de repente, guinou à esquerda e caiu - um golaço.
Enquanto o time ainda comemorava, ele, com medo que tivesse desaprendido, em um só instante, tudo que me ensinara, disse:
- Não foi ético o que fiz.
- Mas foi justo o que fizemos – respondi.
- Mas não cabe a nós fazer justiça com as próprias mãos.
- No caso, foi com os próprios pés – concluí rindo do trocadilho infame.
Durante um bom tempo, o assunto era a força e o efeito de meu chute. Fiquei famoso por aquela falta. Vieram até propostas do Guarani e do Santos para eu fazer testes, mas não fui: sabia que neste caminho não encontraria mais bolas tortas, nem homens retos.
Gol contra
Ela era casada há vários anos e, desde o namoro, sempre fora fiel. Mas um dia, meio cansada da monotonia, da indiferença do marido de muitos anos, resolveu ter um caso. O eleito era um amigo da família de muito tempo. O oposto, mas oposto mesmo do marido! O marido era alto e forte; o amante inteligente; o marido rico; o amante sonhador; um palmeirense; o outro corintiano. Era diferença demais. O único consenso entre eles era a mulher: bonita e gostosa. Resolveram se reunir para discutir as diferenças e o consenso, em um domingo à tarde. Não era um domingo qualquer, era dia de clássico: Corinthians e Palmeiras.
Ao chegar o amante, ela estava apreensiva, afinal tudo seria possível acontecer. Tudo! Até morte. Tudo! Tudo? Tudo mesmo? Até rolar um ménage a trois? Ela começou imaginar a cena e mal se continha, ela...os dois...ao mesmo tempo! Ai! Suspirava! Para quem há alguns dias não tinha homem nenhum, agora dois, disputando por ela, dois ao mesmo tempo...Ufa!
Seus devaneios foram interrompidos quando da sala, onde ambos haviam se sentado para conversar veio um pedido:
- Bem, traz uma cervejinha! – Disse o marido.
Conversavam, como todas as pessoas civilizadas, sobre amenidades: o tempo, política, carros, religião, enfim conversas que não levam absolutamente a lugar algum. Tinham estrategicamente evitado o futebol.
Ela, previdente, enquanto isso, resolveu arrumar o quarto. Foi até lá e escolheu o melhor lençol de seda, trocou as tolhas do banheiro, ou melhor, colocou seis toalhas limpas, preparou a banheira e os sais, KY, afinal, mulher previdente é assim, nunca é pega de surpresa. Trocou também de roupa, pôs uma saia curta, bem sensual, e uma camisa por uma regata decotada, sem sutiã, que dava o que imaginar.
Novamente, foi interrompida nos seus afazeres e planos com mais um pedido da sala:
- Querida, estica a mão e pega mais uma cervejinha. – Pediu gentilmente o marido.
- E uns copos gelaaados! – Gritou!
Ao voltar, o amante, que já parecia mais à vontade, na volta:
- Ah! Aproveita e corta mais uns queijinhos.
De passagem, ela havia notado que o assunto já era o jogo:
- Nós não temos como perder. Montamos um baita esquadrão. - Dizia o corintiano.
- Mas não tem entrosamento. A torcida tem pressionado e não tão jogando nada. – Argüia o palmeirense.
- Senta aqui! – Disse o marido, fazendo sinal para ela se sentar no sofá, entre os dois.
- É. Assista ao jogo com a gente. – Completou o amante animado.
E ela, vestida como estava, certa de que agora realmente agora começaria o jogo, acomodou-se, apertada entre os dois.
Perto do intervalo do primeiro tempo, de um jogo ruim, zero a zero, sem chutes a gol um deles, já não importa mais qual, disse:
- Ô Bem, pega mais uma cerveja pra gente.
Ela levantou-se e convidou:
- Eu vou tomar um banho de banheira. Vocês não querem vir comigo? – Falou com uma voz sensual.
Ao que um deles respondeu, de bate pronto, ao outro:
- Vai você. Eu vou ver o show do intervalo.
- Não. Vai você. Eu não quero perder o começo do segundo tempo.
Ela se levantou e saiu gritando:
- Vou dar para o primeiro que passar na rua!
Mas não recebeu a devida atenção, pois teve um lance de perigo no jogo.
Certamente o primeiro que passa não é nenhum Gianechini. E não era mesmo. Era um pedinte fedido, velho, sujo, que lhe perguntou: “A senhora não tem nada para me dar? Algo que seu marido não quer mais?”.
“Quem sabe o segundo?”, considerou ela. Foi quando encontrou seu vizinho: um garoto, universitário, bonito, que vez por outra olhava para ela, ainda mais agora, como ela estava vestida. Não pensou duas vezes e entrou na casa dele e sem mais conversas, cumpriu o prometido, com aquele jovem rapaz que não teria outras coisas na cabeça, senão mulheres e sexo. E que disposição!
A primeira palavra que trocaram, depois de algum tempo, foi quando ele se levantou, ligou a TV para ver os gols da rodada e disse:
- Gata, estica a mão e pega uma cervejinha pra gente.
Antonio Fais